Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 20, 2006

PARA RALPH HOFMANN, AINDA SOBRE WILSON SIMONAL


Por Giulio Sanmartini
Querido Ralf,
Wilson Simonal, para ver uma apresentação de seus filhos músicos teve que fazê-lo às escondidas (dos filhos e do público) por medo de prejudicá-los. A dor de um pai que o filho não possa ter orgulho dele, que se envergonhem de sua presença, é incomensurável, ainda mais quando tudo provem de torpes calúnias.
Foi o que aconteceu em 1972 com Wilson Simonal, no auge do sucesso de sua carreira foi acusado pela turma de “intelectuais” de O Pasquim de delatar colegas à polícia da ditadura. Fim de carreira para ele, nada mais de discos, nem rádio nem televisão, tudo lhe foi proibido. Sua carreira entrou em declínio até sua morte com 62 anos incompletos (24/6/200).
Antes disso em 1999, uma pesquisa nos arquivos da ditadura mostrou que as acusações que pesavam sobre ele eram falsas.
Em abril de 2002, com o cantor à beira da morte o jornalista Lauro Lisboa Garcia, publicou na revista Época o artigo “Não suporto mais esse peso”, um desabafo de Simonal à injustiça que vida lhe fizera. Todavia o assustador nessa matéria são os depoimentos de dois de seus acusadores: O cartunista Ziraldo Alves pinto que diz : “"Simonal deu azar de estar em grande evidência na época do maior patrulhamento ideológico. 'O Pasquim' não admitia uma mijada fora do penico".
"Não quero livrar minha cara, mas tive a felicidade de não ser um dos que caíram matando nele. Era tolo, se achava o rei da cocada preta, coitado. E era mesmo. Era metido, insuportável. Morro de pena, ninguém merecia sofrer o que ele sofreu"
Ele mente, pois no mínimo “caiu matando” por omissão, uma vez que sabia ser o cantor inocente e nada ter feito em sua defesa. Ziraldo mostra-se um verdadeiro cafajeste ao citar o fato de Simonal achar-se o “rei da cocada preta, metido, insuportável”, estaria ele querendo dizer que o negro cantor “não sabia ficar em seu lugar?”
Mas, pior ainda são as declarações do também cartunista Jaguar (da mesma patota), numa demonstração de grande “filha-da-putismo” diz: “Foi um impulso meu. Ele era tido como dedo-duro. Não fui investigar nem vou fazer pesquisa para livrar a barra dele. Não tenho arrependimento nenhum”.
É tão cruel e desumana essa declaração que só desejo a Jaguar que a vida o puna exemplarmente. Sobre este sujeito desprovido de qualquer partícula de caráter escreve o humorista Chico Anysio, quando da morte de Simonal:
WILSON SIMONAL
E, para felicidade particular do “humorista”Jaguar, o Wilson Simonal morreu. Ora, Senhor ! Uma pessoa humana como o Jaguar, um homem de bom caráter, cheio de muitos amigos, incapaz de uma briga, de causar um mal estar, merecia ser recompensado pelo prazer de ver a morte do Simonal há mais tempo.
Eu sei, Senhor, o poder da oração e, como o Jaguar tem todo o aspecto de uma pessoa muito religiosa, acredito na força das suas preces para que o Simonal demorasse a morrer e mais sofresse nesta vida que ele, Jaguar, preparou para ele. Morrer, na opinião do “cartunista”, significava uma felicidade para um escroque do tamanho do Simonal, com participação efetiva na revolução, na prisão da turma do “Pasquim”, na criação AI-5 e outras coisas inesquecivelmente nojentas, promovidas ou provocadas pelo tal cantorzinho.
A morte de Wilson Simonal deve ter trazido, afinal, um grande alívio para a cabeça deste verme que tem nome de fera, pois na citada “cabeça” estava a certeza que ele se dava de que o cantor era um homem de direita, safado, informante do SNI .
Wilson Simonal, homem de música e de show, maestro que regia o público ao seu bel-prazer, além da infelicidade de não ter nascido americano, australiano, inglês, canadense ou de qualquer nacionalidade de palavras inglesas, podia imaginar qualquer coisa, menos vir a ser considerado um “homem de direita”. Simonal, alienadamente músico, alucinadamente cantor, eslouquecidamente show-man, desbragadamente um homem do palco, nem sabia o significado das letras S, N e I, quanto mais ser um informante deste órgão da chamada “revolução”.
Mas… como no discurso que Sheakespeare escreveu… Jaguar queria e Jaguar é um homem bom; Simonal nunca se meteria em política, mas Jaguar dizia que sim e Jaguar é um homem honesto; Simonal vivia para sua arte e sua família, mas Jaguar é incapaz de uma mentira e Jaguar garantia sua participação efetiva na política.
Agora, pesando 28 quilos, após ser proibido por quase 30 anos de se apresentar em público, de gravar, de ter suas músicas tocadas em todas as emissoras do pais; depois de ver sua família passar necessidades até os meninos poderem trabalhar, afinal Wilson Simonal morre. Meus pêsames à música popular brasileira e minhas congratulações ao Jaguar, neste momento em que, pela última vez na minha vida, falo ou escrevo seu nome, para não sujar minha boca ou produzir um defeito no meu computador.

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SA MARINA
Por Ralph J. Hofmann
Descendo a rua da ladeira
Só quem viu que pode contar
Cheirando a flor de laranjeira
Sá Marina vem pra cantar

Noite fechada, sem luar, mês de janeiro em 1969. Estamos em três casais de namorados voltando da praia para Porto Alegre depois de um fim-de-semana. Abaixo do painel um gravador cassette Phillips tocando uma seleção da época. Neste momento a voz de Wilson Simonal nos delicia com Sa Marina.
Esse é o instantâneo que me vem a mente. Dos cantores da época Wilson Simonal foi aquele que mais prazer me deu. E aquele momento naquele carro com aquela música representa para mim um dos maiores momento de felicidade da minha vida.
Quanta felicidade Simonal nos transmitiu! Era um homem predestinado a agregar algo à alma brasileira.
E, no entanto? Poucos anos depois teria sua carreira ceifada pelos patrulheiros da esquerda.
Foi acusado de dedo duro, de possuir carteirinha do DOPS, de mandar espancar um contador. Efetivamente foi lhe escamoteada a capacidade de ganhar a vida e criar seus filhos dignamente. Também foi escamoteada a presença do maior “showman” da época aos admiradores da Música Popular Brasileira. Foi vítima de um Macartismo às avessas.
Na década de 90 houve uma sugestão de que houvesse um desagravo a Wilson Simonal e que isso fosse rápido pois ele poderia não viver por muitos anos mais pois estava doente. Morto Simonal Chico Anísio escreveu uma ode ao músico e ao homem responsabilizando Jaguar e o Pasquim pela mesquinharia feita com Simonal.
Após sua morte a OAB obteve acesso a todos os documentos oficiais relevantes. Emitiu um parecer “absolvendo” Simonal de qualquer dos atos que lhe foram imputados. “Too little, too late”. Pouco e tardio.
O estado hoje está pagando polpudas compensações a pessoas que alegam ter perdido oportunidades nas suas carreiras devido a atitudes dos governos militares.
Que dizer de um homem que comandava cachês tão altos quanto os maiores pagos no país. Que dizer dos anos de angustia. Alguém vai pagar uma compensação ao espólio de Simonal? Quem são os responsáveis pela crucificação de Simonal. Quem são essas vivandeiras que espalharam o veneno. Estarão talvez entre os que recebem pensões por cinco dias de prisão? Quem pagará pelos 28 anos de prisão mesmo estando em liberdade do Simonal? Quem pagará ao povo brasileiro o ter calado a voz desse rouxinol?

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