Costa Rica, Panamá e Trinidad e Tobago
vivem um pequeno milagre econômico,
alimentado por investimentos externos,
abertura comercial e políticas responsáveis
Duda Teixeira
Alberto Lowe/Reuters | |
Navio cargueiro atravessa o Canal do Panamá: o setor de serviços representa dois terços da economia |
Os pequenos países da América Central e as ilhas do Caribe costumam ser lembrados por sua natureza exuberante, pelos paraísos fiscais e pela expressão "República bananeira". O termo pejorativo é uma referência à história política conturbada, à pobreza e à dependência da monocultura agrícola que sempre marcou a região. Ali estão a nação mais miserável e a única ditadura comunista da América Latina, respectivamente Haiti e Cuba. Por isso tudo, o Caribe é o último lugar que alguém associaria a crescimento econômico acelerado, do tipo que se vê na Ásia. A realidade é outra em três países que estão rompendo com todos esses estereótipos: Panamá, Costa Rica e Trinidad e Tobago. Nos últimos dez anos, o PIB somado desse trio quase dobrou, enquanto o da média da região aumentou apenas 67%. A proporção de pobres no Panamá e na Costa Rica caiu mais de 30% e o desemprego em Trinidad e Tobago desabou de 20% para 8% nos últimos quinze anos. Os três, em alusão aos países asiáticos que tiveram um crescimento intenso nas décadas de 80 e 90, estão sendo chamados de "os tigrinhos do Caribe".
O modelo que permitiu a esses pequenos países (o mais populoso deles é a Costa Rica, com 4 milhões de habitantes) dar passos enormes em direção à prosperidade é um bom exemplo para os países da vizinhança, a maioria deles dependente de um único produto de exportação (o caso notório é a Venezuela, com a venda de petróleo) ou das remessas enviadas pela mão-de-obra exportada para os Estados Unidos. À moda dos asiáticos, Costa Rica, Panamá e Trinidad e Tobago apostaram todas as suas fichas na atração de investimentos externos e na abertura ao comércio internacional. Eles têm a oferecer aos investidores estrangeiros um ambiente favorável aos negócios, estabilidade política, segurança jurídica de que as regras não vão mudar no meio do jogo e, sobretudo, pacotes variados de subsídios. O ponto central da estratégia é tornar mais variadas as fontes de ingressos da nação. "Quando um país deixa de ser dependente de um único produto, fica menos exposto às oscilações do mercado internacional e cresce com tranqüilidade", disse a VEJA o peruano Fernando Quevedo, pesquisador do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington, nos Estados Unidos.
Há dez anos, a pauta de exportações da Costa Rica era dominada por tecidos, banana e café. Foi então que o governo decidiu convidar empresas de tecnologia a se instalar no país, oferecendo redução de impostos e mão-de-obra barata e com bom nível educacional. Graças a esse ambiente propício e à proximidade com os Estados Unidos, a Intel, o maior fabricante mundial de processadores, construiu uma fábrica de chips no país em 1997, depois de desistir de fazê-lo no Brasil. Pesaram na decisão os incentivos fiscais oferecidos pelos costa-riquenhos e a constatação de que seus portos eram mais eficientes que os brasileiros. Nos rastros da Intel, a HP e a IBM montaram lá serviços administrativos, de contabilidade e centrais de telemarketing. Hoje, o valor das exportações costa-riquenhas de microprocessadores de computador representa o dobro do da venda de têxteis, banana e café somados. A educação ajudou nessa transformação. Há pouco mais de cinco décadas, depois de escapar de uma tentativa frustrada de golpe, o governo costa-riquenho dissolveu o Exército e desviou o orçamento da defesa para a educação. Como resultado, na Costa Rica menos de 5% da população é analfabeta e há uma universidade para cada 56.000 habitantes – em comparação, no Brasil a proporção é de uma instituição de ensino superior para cada 100.000 habitantes.
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À esquerda, produção de flores na Costa Rica: graças aos investimentos externos, as exportações triplicaram em quinze anos. À direita, vista aérea da Cidade do Panamá |
O exemplo dos tigrinhos caribenhos mostra que, se é mais fácil diversificar a economia com a ajuda de investidores externos, estes preferem entrar onde há garantias e as regras do jogo não mudam ao sabor das veleidades políticas. Na Costa Rica, as empresas podem repatriar 100% dos seus lucros e não há limites aos direitos de propriedade dos estrangeiros. Com uma democracia que já dura mais de cinqüenta anos, os investidores confiam em que essas regras costa-riquenhas não vão mudar de repente. Em Trinidad e Tobago, país composto por duas ilhas do Caribe, uma lei de 1990 concedeu às empresas estrangeiras os mesmos direitos das nacionais. Quatro anos depois, a assinatura de um tratado comercial com os Estados Unidos veio acompanhada de uma lei que estabelece para Trinidad e Tobago as mesmas regras americanas para a propriedade intelectual. Foram essas condições amigáveis aos negócios que permitiram às ilhas explorar uma riqueza até então quase intocada: a terceira maior reserva de gás natural da América Latina. A partir de 1999, com os investimentos de três dezenas de empresas estrangeiras do setor petrolífero, a extração de gás natural cresceu a ponto de hoje o país ser o maior fornecedor do produto para os Estados Unidos.
O governo de Trinidad e Tobago, ao contrário da vizinha Venezuela, não se deixou levar pela tentação de usar o dinheiro do recurso natural para aventuras populistas. Em lugar de investir na criação de empregos e melhoria da infra-estrutura, o presidente Hugo Chávez torra o faturamento da PDVSA, a estatal venezuelana de petróleo, em projetos assistencialistas e na compra de influência política na América Latina, incluindo aí a mesada que sustenta o falido governo cubano. Já Trinidad e Tobago dedica parte do lucro do setor ao Fundo de Estabilidade do Petróleo, uma reserva para blindar o país contra os altos e baixos do preço do petróleo e do gás natural – desde julho, a queda no preço médio foi de 30%. Panamá, Costa Rica e Trinidad e Tobago evitam também repetir outro desatino de Chávez: ignorar as vantagens comerciais da proximidade com os Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo. Os tigrinhos do Caribe assumem sem constrangimento a vocação natural da região de parceiros comerciais dos americanos. O turismo é um dos setores mais beneficiados. No Panamá, o governo aboliu, doze anos atrás, os impostos para empreendimentos turísticos como bangalôs, campos de golfe e hotéis. Desde então, a infra-estrutura para o turismo expandiu-se e o número de visitantes dobrou.
Todo ano, 20 000 aposentados americanos mudam-se para o Panamá, atraídos pela segurança, pelo clima ameno e pelo custo de vida 50% mais baixo em relação ao dos Estados Unidos. "A construção de prédios residenciais para compradores americanos explodiu nos últimos anos", disse a VEJA o argentino Sergio Brok, diretor da filial panamenha da Olloqui, uma construtora espanhola. A nova onda de turistas e aposentados reverteu uma tendência de êxodo de estrangeiros no fim da década de 90, quando a administração do Canal do Panamá passou das mãos de Washington para as do governo panamenho. O canal, construído pelos americanos, é uma significativa fonte de divisas para o país. O Panamá é uma zona franca para mercadorias de todo o mundo, e seu setor financeiro (são 72 bancos) se beneficia disso. No próximo dia 22, os panamenhos vão decidir em plebiscito pela ampliação do canal, que ficou estreito para os novos supercargueiros.
O sucesso econômico do Panamá, da Costa Rica e de Trinidad e Tobago atiçou outros países da região. Há dois anos, Honduras, República Dominicana, Nicarágua, El Salvador e Guatemala juntaram-se à Costa Rica para assinar o Cafta, um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos. Para os americanos, trata-se principalmente de uma política de boa vizinhança e de uma tentativa de reduzir, com a criação de empregos locais, a imigração clandestina de trabalhadores. Costa Rica, Panamá e Trinidad e Tobago têm em comum uma vantagem histórica sobre as demais repúblicas da região: não passaram pelos devastadores conflitos armados das décadas de 70 e 80, quando esquerdistas tentaram tomar pela força o poder na Nicarágua, em El Salvador e na Guatemala. O êxodo de trabalhadores dos tigres caribenhos para os Estados Unidos é relativamente pequeno. Na verdade, foram eles que passaram a atrair imigrantes dos países vizinhos. Na Costa Rica, o trabalho pesado nas fazendas de café e cana-de-açúcar é feito por nicaragüenses. No Panamá, a mão-de-obra menos qualificada costuma provir da Colômbia. Os tigrinhos caribenhos já sonham ser Primeiro Mundo.
Com reportagem de Thomaz Favaro