Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 11, 2006

O deputado Clodovil (por Lucia Hippolito)


Toda eleição é a mesma coisa. Toma-se a exceção pela regra e culpa-se o voto proporcional, acusa-se o brasileiro não saber votar, e outras bobagens do mesmo calibre.

Em toda eleição existe um Enéas, um Clodovil, um Juruna, um Agnaldo Timóteo. São a exceção, não a regra.

Vivemos cada vez mais numa sociedade-espetáculo, dos 15 minutos de fama, do Big Brother, do YouTube, das celebridades instantâneas.

E não é de hoje. Há muito tempo, expoentes do mundo dos espetáculos, do esporte, da literatura e da música utilizam-se de sua notoriedade para ingressar na política. Alguns descobrem uma nova vocação. E ficam. Outros são passageiros.

Para não ir muito longe, Ary Barroso, um dos nossos maiores compositores, foi eleito vereador no antigo Distrito Federal em 1946, pela UDN. Foi o vereador mais votado. Um ano antes, Jorge Amado, um dos mais populares escritores brasileiros, fora eleito deputado federal pelo Partido Comunista.

E nem se diga que isto é coisa que só dá no Brasil, como a jabuticaba. Ronald Reagan era um ator medíocre em Hollywood quando se lançou na política. Foi duas vezes governador da Califórnia e duas vezes presidente dos Estados Unidos.

Recentemente, o astro-brucutu Arnold Schwarzenegger tornou-se governador da mesma Califórnia. Quem sabe Arnoldão não termina na Casa Branca? Pode ser menos canastrão que George W. Bush.

Na Itália, a atriz pornô Cicciolina foi eleita para o Parlamento em 1987, pelo Partido Radical. Na Grécia, a atriz Melina Mercouri foi deputada e ministra da Cultura.

Enfim, os exemplos são inúmeros – e podem se tornar mais freqüentes, à medida que avança a sociedade-espetáculo.

Não adianta trocar de sistema eleitoral. Os Estados Unidos que produziram Reagan e Schwarzenegger praticam o voto distrital puro. A Itália de Cicciolina adotava o voto proporcional com listas fechadas e em 1994 aderiu ao sistema misto. Na Grécia de Melina Mercouri, o voto também é proporcional, também em listas fechadas.

Portanto, temos que nos habituar com estas presenças que alguns consideram excêntricas. Com campanhas eleitorais cada vez mais caras, as celebridades já largam em vantagem, porque desfrutam de notoriedade, já são caras conhecidas.

Além disso, há um certo preconceito embutido na rejeição à eleição dessas pessoas. Quem pode garantir que, dentro do peito de um Clodovil não bate um coração de parlamentar?

Uma coisa é certa: a embalagem poderá ser de muito bom gosto, muito mais do que podem dizer certos deputados e certas deputadas, que de vez em quando transformam a Câmara em circo dos horrores em matéria de vestuário.

Quanto aos decantados princípios éticos, tão necessitados nos dias atuais, nada garante que Clodovil não se comportará melhor do que muito deputado metido a sério, mas que está encalacrado até a alma em mensalão, desvio de dinheiro de ambulância, máfia de vampiros, violação de sigilo bancário de um cidadão humilde, entre outros crimes.

Vamos dar um crédito de confiança ao novo deputado.

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