Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 12, 2006

Miriam Leitão Em campanha

O presidente Lula continua tenso, apesar da vantagem na pesquisa. Mas não mostra mais a insegurança que demonstrou no debate. Quando um dos colunistas comentou a pesquisa do Datafolha, ele negou que estivesse feliz ou aliviado. Disse que acredita em pesquisa, mas lembra: “Ninguém previu a vitória de Jaques Wagner.” Durante a entrevista, ele elevou várias vezes o tom de voz, nas respostas às perguntas mais duras. Sobre o dossiê, continua dizendo que não sabe de onde veio o dinheiro porque não é delegado de polícia. Repete a resposta mesmo quando é lembrado dos muitos amigos envolvidos no caso. Defende Freud Godoy, mas não Ricardo Berzoini.

Em geral, o presidente Lula não admite erro em seu governo, ou fala em correção de rumo. Está convencido de que o país está às portas de um ciclo de crescimento que se deve ao que ele avalia serem seus muitos acertos neste primeiro mandato. Repete que pegou o país quebrado e nega que os problemas de 2002 nasceram de propostas que havia feito sobre como gerir a economia no período em que era oposição. Mas admite que mudou muito com o passar do tempo e com a ida para o governo. “Mudei, o mundo mudou, a economia mudou.” Reclama que o Congresso não aprova uma medida que deveria ser consenso, como o Fundeb, mas não responde à pergunta sobre o fato de o PT ter votado contra o Fundef. “Vamos esquecer o Fundef, eu não estou na escola.”

Ele não se compromete com corte algum nos gastos, pelo contrário. Afirmou que não há como cortar gastos correntes a não ser cortando salário, demitindo funcionário ou cortando na aposentadoria. Sequer toca na possibilidade de haver desperdício ou melhoria na gestão que possa levar à redução do peso do estado sobre os contribuintes. Se dependesse dele, afirmou, nunca teriam sido privatizadas a Vale ou as telefônicas. Rechaça, inclusive, os fatos que demonstram que a ampliação do acesso ao serviço telefônico ocorreu após a privatização. Reforma na Previdência ele nega que pense em fazer, porque, “do ponto de vista eleitoral, o povo não está pedindo”. Sugeriu que fizéssemos uma pesquisa para ver se o povo está pedindo reforma da Previdência. No entanto, depois de várias perguntas sobre o tema, admitiu:

— Tem que se mexer na Previdência, mas não existe solução mágica.

Em cada palavra, cada tema tratado, o presidente habilmente contorna os pontos mais sensíveis e aproveita para fazer propaganda do próprio governo. Não demonstra esquecer, em nenhum minuto, que é um candidato em campanha para mais um mandato.

Acha que não interferiu nas agências reguladoras, apenas cumpriu a Constituição, que manda que a política seja traçada pelos ministérios. Não acha que demorou a tomar medidas na área de geração de energia, e consulta seus papéis para desfilar números de aumento de geração. Na verdade, tudo o que foi acrescentado em geração de energia hidrelétrica no Brasil nos últimos quatro anos foram obras iniciadas no governo passado. Os leilões de energia nova começaram apenas em dezembro do seu terceiro ano de governo, e eles permitem um acréscimo de apenas 1,4 mil megawatts na capacidade de geração, o equivalente a duas turbinas de Itaipu. Como uma hidrelétrica demora quatro anos para ficar pronta, há riscos, sim, de estrangulamento energético se o país realmente crescer mais do que no ritmo atual. O investimento público é baixíssimo. No ano passado, foi de apenas 0,5% do PIB, o menor número em 40 anos. Ele ri e desconsidera a pergunta, para garantir que seu governo investiu mais que os outros e que isso levará a novo surto de crescimento.

Tudo vai melhorar, inclusive as contas da Previdência, quando o país retomar crescimento no ritmo de 5% a 6% ao ano. Essa é a solução que o presidente apresenta para qualquer nó que lhe seja apresentado. Aliás, não é exclusividade dele: outros candidatos, inclusive Geraldo Alckmin, apresentam essa solução mágica para todos os problemas. A questão é que o país, para crescer, precisa de mais investimento do que tem tido, precisa de mais energia do que a que foi providenciada, precisa de mais avanços na infra-estrutura do que tem acontecido. Mas, mobilizado em defender seu governo para garantir o segundo mandato, o presidente Lula não admite que tenha cometido qualquer erro, e promete seguir na mesma linha.

Ao falar do programa Bolsa Família é que ele parece mais sincero. Diz que os recursos públicos são prioritariamente para os pobres, e está coberto de razão; nega que tenha perdido o controle das condicionalidades, mas reconhece que é “inadmissível” — único erro que aceita ter ocorrido em seu governo — ter havido o aumento do trabalho infantil depois de 14 anos de queda.

Em campanha para a reeleição, um presidente é principalmente candidato. Não apenas Lula — qualquer um é assim. Fala, age, responde apenas como candidato. Uma avaliação sincera dos inúmeros problemas que o país tem e precisa superar para retomar o crescimento talvez Lula consiga fazer apenas após ter garantido seu segundo tempo no poder. A conversa foi longa, mas não o suficiente para tratar de vários outros temas que não estão esclarecidos. Lula precisava ir correndo gravar o programa eleitoral. A reeleição foi a pior idéia que o ex-presidente Fernando Henrique teve. Os dois papéis, de presidente e de candidato, não cabem numa mesma pessoa.

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