O Globo |
18/10/2006 |
O presidente Lula, trazendo para o debate político a extemporânea dicotomia estatização x privatização, entrou no túnel do tempo e conseguiu trazer de volta para sua campanha conceitos como "esquerda" e "direita", recuperando grande parte da esquerda que havia debandado no decorrer de seu governo. Lançar ao ar a possibilidade de um eventual governo tucano privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e os Correios teve o dom de não apenas unir a esquerda, mas também de trazer de volta uma parte dos eleitores de classe média nacionalistas que acreditam que o PT defende o patrimônio público. Não há condições, em uma campanha eleitoral polarizada, de discutir a fundo temas como privatização, mas o candidato tucano Geraldo Alckmin nem tentou, fugiu dele como o diabo da cruz. Não se contentou em apenas desmentir que privatizaria aqueles órgãos, mas declarou peremptoriamente, e assinou um documento para tentar ganhar o apoio do PDT, se comprometendo a não privatizar nada em seu governo. Alckmin fez mais: passou a defender as Parcerias Público Privadas (PPPs) como a melhor maneira de atrair os investimentos privados para obras de infra-estrutura no país. Exatamente o que Lula faz desde o início de seu governo. As PPPs são as privatizações envergonhadas do petismo, uma maneira malandra de privatizar sem ousar dar o nome certo às coisas. Que Lula e o PT ajam assim é de se esperar, porque têm uma maneira arcaica de encarar o Estado e alimentam um esquerdismo retrógrado com mitos como as privatizações. Sempre acusaram as privatizações de terem sido feitas à base de maracutaias, mas, quando perguntado por que não abriu sindicâncias para apurar as irregularidades, Lula diz que decidiu não fazer, embora muitos companheiros quisessem, porque o país estava em uma situação tão delicada economicamente que uma revisão desses processos tumultuaria o ambiente. A resposta é perfeitamente plausível, que denotaria amadurecimento político por parte do presidente e seu partido se não insistissem, volta e meia, em lançar insinuações de que houve irregularidades nas privatizações. Ou bem não se mexe no assunto para evitar turbulências, ou bem se levanta o assunto, e aí é preciso seriedade para seguir adiante e apurar tudo, doa a quem doer. Mesmo porque, se houve irregularidade, é preciso corrigi-la, nenhum governo tem o direito de esconder delitos, sob pena de se tornar conivente. Num provável segundo governo Lula, esse tema, que voltou à tona por esperteza eleitoral, deveria continuar em pauta, e o governo deveria abrir investigação retroativa rigorosa, se é que tem mesmo interesse em esclarecer o assunto de vez. De toda forma, o PSDB não consegue assumir sem culpas as privatizações e ontem, na entrevista ao GLOBO, Alckmin voltou a ser reticente, se preocupando mais em se defender das acusações petistas do que em defender o conceito da privatização, de fato ponto de relevo nos programas tucanos e marco na diferenciação na maneira tucana e petista de encarar o Estado. Coube ao ex-presidente Fernando Henrique defender o programa de privatização posto em prática em seu governo, que já teve o apoio da maioria do eleitorado brasileiro, nas eleições de 1994 e de 1998, e acabou transformando-se em um espantalho eleitoral pelo trabalho incessante do PT, que ao longo dos últimos 12 anos martela na opinião pública a idéia de que privatizar é jogar fora o patrimônio público, sem que o PSDB assuma a defesa do seu projeto de governo. E não seria difícil relembrar que todos os escândalos acontecidos neste governo passaram pelas estatais: nos Correios, o loteamento da diretorias entre os partidos aliados provocou a guerra com o PTB, que tinha a diretoria do "petequeiro" Maurício Marinho, filmado recebendo propina. No Banco do Brasil, o setor de marketing trabalhava em estrita parceria com o PT, a ponto de ter desencadeado um primeiro escândalo ao comprar bilhetes para um show em benefício do partido, e depois ter sido envolvido no esquema do valerioduto através da Visanet. Por fim, seu diretor de risco Expedito Afonso Veloso está envolvido no caso do dossiê. Foi na Caixa Econômica que quebraram o sigilo do caseiro Francenildo Costa, para tentar desqualificá-lo nas acusações que fazia ao ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. E a Petrobras também se envolveu em diversos casos polêmicos, o mais famoso o que resultou no Land Rover presenteado pela empresa GDK ao secretário-geral do PT, Silvio Pereira. Mesmo que não se pense em privatizar nenhuma dessas empresas públicas, basta verificar o histórico petista neste governo para ver que a condenação à privatização tem muito menos defesa do patrimônio público do que dos interesses partidários e corporativos. A começar pelo exemplo de Palocci, que privatizou a telefonia de Ribeirão Preto quando era prefeito, há inúmeros exemplos de privatizações que deram certo, como a da telefonia, que são de fácil demonstração popular. Os quase cem milhões de telefones celulares ajudam muitos pequenos e microempresários no trabalho, sem contar as residências que não tinham condições de ter telefone, caro e de difícil acesso, a tal ponto que constava da declaração do Imposto de Renda e até de testamentos. A discussão sobre vantagens e desvantagens das privatizações merece ser mais profunda do que um debate eleitoreiro permite, mas há quem ache que a eficiência de empresas privadas, que projetam o lucro de longo prazo e não estão premidas por prazos eleitorais, também pode ser afetada por ações motivadas por interesses políticos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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