Em uma campanha eleitoral em que o tema privatização teve o dom de cristalizar, ou até mesmo mudar, tantos votos para o lado de quem a criticava, não é por acaso que a reforma da Previdência Social é tão evitada pelos dois candidatos, que têm a mesma postura de negar sua necessidade, e vender como solução mágica para o fim do déficit apenas o crescimento da economia. Houve até mesmo quem defendesse, como a candidata do PSOL, Heloísa Helena, durante o primeiro turno, que o déficit da Previdência simplesmente não existe.
Tanto Lula quanto Alckmin sabem que terão que promover reformas na Previdência, cujo rombo cresceu 34,4% este ano em comparação a 2005 apenas como reflexo da antecipação do 13osalário a aposentados e pensionistas, pagamento que só era feito em dezembro e neste ano eleitoral foi antecipado para setembro, para compensar o fato de que o reajuste de 5% foi bem menor do que o de 16,7% dado pelo governo para o salário-mínimo nacional.
Para completar a lambança eleitoreira, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, em busca dos votos perdidos nos últimos 15 dias, se comprometeu a dar para aposentados e pensionistas, caso seja eleito, o complemento do reajuste de 16,7%, referendando a demagogia que o PFL fez o Congresso. Todos sabem que a Previdência não suportaria tamanha generosidade, mas assim mesmo se comprometem com esse reajuste irreal.
Para se ter uma idéia do baque nas contas públicas, nos últimos 12 anos, o salário mínimo teve um aumento real acumulado de 94%, o que atingiu dois em cada três aposentados. Se o piso previdenciário tivesse acompanhado a inflação desde 1994, teriam sido gastos 6,1% do PIB, em vez da previsão de gastos do INSS de 7,8% do PIB este ano. O que há em comum entre a majoritária oposição da sociedade à privatização e a dificuldade de mudar as regras da Previdência Social está definido pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu livro de memórias.
Ao aconselhar o recémnomeado presidente do Banco Central Armínio Fraga para sua sabatina no Congresso, o então presidente resumiu o que seria o pensamento médio do brasileiro, mesmo que inconsciente: contra o capitalismo, e a favor de um Estado forte e de uma política de bem-estar social ampla. O diagnóstico, mais do sociólogo do que do político, é reproduzido na introdução de seu novo livro sobre a reforma da Previdência pelo economista Fábio Giambiagi.
O livro tem sintomaticamente como subtítulo “O encontro marcado — a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos”. A campanha eleitoral em curso é uma demonstração clara de que esse sentimento nacional não se alterou, e que caberia aos líderes políticos preparar a sociedade para as mudanças que sabem ser necessárias.
Uma reforma da Previdência teve início no governo Fernando Henrique, sob forte pressão política contrária do PT, e surpreendentemente teve prosseguimento no governo de Lula, com o apoio da oposição.
Mas, além de faltar ainda regulamentar pontos fundamentais da segunda parte da reforma, como os fundos de previdência complementar para os funcionários públicos, é preciso alterar pontos delicados, mas fundamentais, como o fim da aposentadoria por tempo de serviço e o estabelecimento de idade mínima para homens e mulheres para a concessão de novas aposentadorias pelo INSS.
Tanto o presidente Lula quanto o candidato oposicionista Geraldo Alckmin consideram que seria injusto com os mais pobres usar o critério da idade mínima, em vez do tempo de contribuição, por que, segundo Alckmin, os pobres morreriam antes de atingir a idade de aposentadoria. No livro está provado estatisticamente que os que se aposentam por tempo de contribuição são majoritariamente de classe média, com bons planos de saúde e acesso a médicos de bom nível, enquanto o peso dos benefícios iguais a um salário mínimo entre os que obtiveram aposentadoria por tempo de contribuição é de apenas 13%.
Os estudos de Giambiagi mostram que, nos últimos 15 anos, as despesas primárias do governo cresceram de maneira assustadora. Entre 1991 e 2004, os gastos, que correspondem especialmente a benefícios do INSS, pagamento de pessoal e transferências a estados e municípios, aumentaram nada menos que 7,5% do PIB. O gráfico que pega somente as despesas do INSS em relação ao PIB mostra uma evolução constante a partir de 1988, quando foi aprovada a nova Constituição.
Uma despesa que era de 2,5% do PIB em 1988 passou a um pouco mais de 5% quando foi lançado o Plano real em 1994, chegou a 6,5% ao final do segundo governo de Fernando Henrique e agora se aproxima de 8% do PIB.
Um outro gráfico muito ilustrativo é o que compara o gasto público brasileiro com a Previdência em relação à população co mais de 65 anos: Giambiagi ressalta que somos um país ainda jovem, mas que gasta com a Previdência Social, em termos relativos, aproximadamente tanto quanto a Holanda ou o Reino Unido, cuja proporção de idosos é o triplo da nossa.
Ou, mais concretamente, nossa classe média se aposenta em torno dos 55 anos com uma expectativa de vida escandinava.
A maioria dos países está adotando a aposentadoria pela idade, entre 65 e 67 anos para os homens, e tendendo a igualar as idades entre homens e mulheres. O resumo da nossa situação pode ser dado pela frase de Roberto Campos, citado por Giambiagi: “A Constituição prometeu-nos uma seguridade sueca com recursos moçambicanos”. Mas qual candidato teria coragem de assumir esse debate durante a campanha eleitoral? Na seqüência, porém, qualquer um que for eleito terá que enfrentá-lo.
Entrevista:O Estado inteligente
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