Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 19, 2006

Merval Pereira - Mercado eleitoral



O Globo
19/10/2006

O presidente Lula, a bordo do Bolsa Família e de outros programas sociais, assumiu a condição de nordestino com vistas à sua sucessão em 2010, embalado pela certeza de que a reeleição já está decidida a seu favor. Já havia dito, em um comício na Paraíba, que o nordestino não queria ser apenas mão-de-obra para construções no sul, mas queria ser engenheiro.

Quando, no comício de terça-feira no Rio, aprofundou sua crítica à elite paulista - da qual sempre fez parte, como operário ou dirigente sindical, diga-se de passagem - e disse que não dá para governar o Brasil com a cabeça na Avenida Paulista, estava revelando, com sua inegável sensibilidade política, para que lado o vento sopra, não mais na campanha eleitoral, mas nos próximos anos.

Lula é tão nordestino quanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é carioca: os dois fizeram suas carreiras políticas e profissionais em São Paulo. Mas a força dos votos nordestinos faz com que Lula retorne às suas raízes nordestinas. Quem achava que o PT não teria candidato forte à sucessão de Lula vai ter que rever seus planos políticos. O PT sai da campanha eleitoral deste ano com um presidente nordestino e sendo um partido claramente baseado na região Norte-Nordeste do país.

Assim como o governador de Minas, Aécio Neves, pressiona o PSDB para descentralizar as decisões, ouvindo líderes regionais fora de São Paulo, também o governador eleito da Bahia, Jaques Wagner, defendeu, já na primeira entrevista após ter derrotado o grupo político do cacique Antonio Carlos Magalhães, "uma oxigenação" do PT.

A partir de agora, o partido terá que se "despaulistizar" e refletir as novas forças políticas saídas das urnas, após a eleição de governadores no Norte e Nordeste: o próprio Wagner na Bahia, Wellington Dias no Piauí, Marcelo Déda em Sergipe e Binho Marques no Acre. Dos dois que disputam o segundo turno, Ana Júlia, no Pará, tem mais chances de vitória do que Olívio Dutra no Rio Grande do Sul, o que caracteriza a divisão de forças no partido.

Wagner, homem de confiança de Lula, sai na frente como potencial candidato a presidente em 2010 pelo PT. E quem sai enfraquecido nessa equação, paradoxalmente, é o deputado mais votado do país, o cearense Ciro Gomes. É um grande líder político regional, mas não é do PT. Dificilmente darão a ele o poder de repartir a força eleitoral do lulismo no Nordeste. Se quiser ser candidato a presidente, Ciro terá que romper com o governo Lula e procurar um caminho próprio.

A seção paulista, que sempre dominou o PT, está em franca decadência a partir da cassação do ex-ministro José Dirceu. Os dois ex-presidentes do partido, José Genoino e Ricardo Berzoini, caíram em desgraça política devido a escândalos, do mensalão e do dossiê contra os tucanos, que levou de roldão ainda o senador Aloizio Mercadante, que, além da derrota acachapante para o governo paulista, está envolvido em suspeitas.

Seu ex-assessor direto Hamilton Lacerda é o homem da mala de dinheiro, e o resultado das investigações, mesmo que só surja depois da eleição, provocará crise política sem precedentes.

Para não implicar diretamente a campanha do presidente Lula - embora a maioria dos envolvidos sejam membros dela e amigos pessoais do presidente - será preciso dizer que o dinheiro de origem criminosa pertencia à campanha de Mercadante, o que pode levá-lo a julgamento pelo Conselho de Ética do Senado.

Apesar de protestar inocência, e de ter passado político que não permite duvidar de sua postura ética, Mercadante está metido nesse escândalo e perdeu o poder político para a ex-prefeita Marta Suplicy, que passou a coordenar a campanha presidencial em São Paulo. Mesmo tendo montado um "paulistério" em seu primeiro mandato, o PT de Lula no segundo mandato tende a fortalecer as novas lideranças regionais que surgiram onde tem mais voto.

Lula tem uma performance ascendente nas regiões Norte e Nordeste desde as primeiras eleições que disputou: saiu de 30% de votos no Nordeste em 1994, para 66,7% este ano, e de 25,5% no Norte para 56% agora. Não é por acaso que estão naquelas regiões os maiores investimentos do Bolsa Família.

Um estudo do ano passado mostra que o Nordeste é a região que concentra a maioria dos atendidos, e há situações em que até 45% da população é beneficiária do programa, como em Várzea Grande (PE) e em Pedra Branca (CE).

O número de beneficiários em relação ao total da população é bastante elevado entre os municípios nordestinos, variando de 13% em Timbaúba dos Batistas (RN) a 45% em Várzea (PE), com exceção de algumas cidades, como Camaçari, na Bahia, cujo índice é de 6%, compatível com o da Região Sul.

Segundo a pesquisadora Rosa Maria Marques, da PUC-SP, em cada dez famílias atendidas pelo programa, seis estão nas regiões Norte e Nordeste, que somam 63% dos atendimentos do Bolsa.

O resultado é que o Nordeste, com o Bolsa Família, juntamente com o aumento real do salário mínimo e os empréstimos consignados, vem pressionando as vendas de computadores populares, telefones celulares, eletrodomésticos e materiais de construção este ano. As vendas do comércio nos estados nordestinos vão crescer 9,8% neste ano, mais que o dobro da média nacional, de 4,5%.

Na Região Norte, a expansão estimada é de 11,2%, ficando o comércio do Nordeste e do Norte do país representando respectivamente 15% e 20% do varejo brasileiro. Em certas regiões, há um crescimento da economia em torno de 7% ao ano, o que os especialistas classificam de "crescimento chinês" para as classes mais pobres.

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