O Globo |
13/10/2006 |
A propaganda eleitoral do segundo turno para presidente começou ontem com um tom menos agressivo do que o do debate dos candidatos na Bandeirantes, que foi o centro da disputa política por ter sido o primeiro após o primeiro turno, e ter surpreendido pela "estréia" de um Geraldo Alckmin combativo diante das câmeras. O resultado das pesquisas de opinião não alterou o rumo da campanha do candidato tucano, embora seja previsível que, como se viu ontem, ele tentará calibrar melhor sua postura para não permitir a "vitimização" de Lula, que certamente deu sua contribuição para a queda que Alckmin teve na pesquisas do Datafolha e do Ibope. Lula aprofundou a tática de comparar seu governo com o de Fernando Henrique Cardoso. Uma parte da queda de Alckmin, porém, foi culpa dos erros da própria campanha tucana, que bateu cabeça na primeira semana após a "vitória moral" do primeiro turno, especialmente devido à extemporânea acolhida ao casal Garotinho. Também o "terrorismo eleitoral" desencadeado pelo PT contra Alckmin, acusando-o de ser o "bicho-papão" que vai acabar com os pobres e os oprimidos, deve ter contribuído bastante para estancar o crescimento do tucano. Tática política execrada pelo PT na oposição, que também já foi apontado como o responsável por todas as mazelas do mundo, o "terrorismo eleitoral" é parte do jogo político convencional, ao qual o PT aderiu definitivamente, sem nenhum pudor. A calibragem dos ataques a Lula deve atender a conceitos técnicos. Há na história do marketing político um caso clássico de campanha de "desconstrução" que se virou contra seu autor, um filmete chamado "Labestida", do famoso marqueteiro americano Dick Morris, para a campanha que elegeu Fox presidente do México. A idéia central era atacar a imagem do candidato Labastida, do PRI, que não tinha entre suas virtudes a inteligência. Foi usado o trocadilho "La bestida" (ou a besta), com uma voz em off perguntando ao eleitor se ele queria que o presidente do México se portasse "desta forma": o filmete mostrava imagens de Labastida no debate ocorrido dois dias antes reclamando, nervoso, desequilibrado, que fora xingado pelos eleitores de Fox, ao mesmo tempo em que mostrava Fox no mesmo debate: pose de executivo, altivo, assertivo, atacando o PRI de modo equilibrado. Os estrategistas do PRI identificaram, através de pesquisas, que havia espaço para vitimizar o próprio candidato, e o eleitorado ficou do seu lado. Fox perdeu três pontos percentuais com essa peça, embora tenha recuperado depois e vencido as eleições. O especialista em marketing político Silvério Zebral, da Universidade Cândido Mendes, atribui ao que chama de "uma oitava a mais" na atuação de Alckmin no debate da Bandeirantes, a queda nas pesquisas, mas considera também que "é só acomodação passageira e os números vão ficar mais voláteis a partir de agora". Segundo o Datafolha, o tucano é considerado "o mais inteligente" e "o mais moderno e inovador", e entre os que assistiram ao debate, aumenta a proporção dos que consideram Alckmin o mais inteligente. Mas, ao mesmo tempo, a maioria o considera também "mais autoritário" e o "que mais defenderá os ricos, se eleito", percepções que aumentam entre os que assistiram ao debate. O tom agressivo de Alckmin em relação à corrupção surtiu efeito: a percepção de que Lula é o mais corrupto dos dois candidatos, que já é maior entre os entrevistados, cresce de intensidade entre os que assistiram ao debate. Para Zebral, não há surpresa nas pesquisas: "Cai-se um pouco entre os que assistiram ao debate, e cai-se mais forte entre os que são capazes de enxergar os ânimos por trás do discurso, os de renda e escolaridade mais altas". Segundo ele, a estratégia correta era mesmo aumentar o tom, pois "se Alckmim não estabelecer o contraste, não 'desbasta' o que resta de apoio a Lula no topo da pirâmide. Se não desbastar 'por cima', não ganha no dia 29, porque desbastar 'por baixo' é contraproducente". Por isso a agressividade será mantida, mas Zebral lembra que "sempre é preciso ter em mente que o lado de lá também joga o jogo". A questão, para Lula, é que se fazer de vítima o tempo todo pode torná-lo um fraco diante do eleitorado. Assim como insistir em que nada sabe, nada viu já se tornou defesa quase ridícula. Nestes últimos 15 dias de campanha eleitoral, os candidatos tendem a errar mais, devido à pressão política. Tanto Alckmin quanto Lula já tiveram que desmentir publicamente assessores graduados, que emitiram opiniões potencialmente capazes de prejudicá-los eleitoralmente. Alckmin desautorizou o corte de gastos defendido por seu secretário Nakano, e Lula disse que, ao defender o fim dos direitos adquiridos numa futura reforma previdenciária, o ministro Tarso Genro não falava em nome do governo. Não é à toa que o presidente Lula anda irritadiço, fustigado pelas perguntas sobre o dossiê contra tucanos, e certamente temendo que novas "trapalhadas" prejudiquem sua caminhada rumo ao segundo mandato. Alckmin, comparando-se ao pugilista marginal Mike Tyson, soa patético. Declarando-se, finalmente, empenhado contra a reeleição, mostra fraqueza e insegurança atrás do apoio dos governadores Aécio Neves (MG), e José Serra (SP). Quando beija a mão de Jader Barbalho ou trata com carinho até excessivo o ex-guru econômico dos militares linha dura Delfim Netto, Lula não sofre um arranhão sequer na biografia para seus eleitores cativos. Quando Alckmin cai na besteira de aceitar o apoio dos Garotinhos, o mundo cai sobre a cabeça. Disputar uma eleição contra um mito politico e ter que desconstruí-lo em público é tarefa quase impossível. A não ser que conte, como no primeiro turno, com a inestimável ajuda dos próprios petistas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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