O ressurgimento do ex-todo poderoso José Dirceu no centro das investigações sobre o dossiê contra candidatos tucanos, que petistas estavam comprando quando foram presos em São Paulo, traz de volta uma série de indícios que logo no início das investigações foram abandonados, e favorece também a tese de que a operação clandestina foi articulada pelo "Campo Majoritário", que continuaria dominando o PT através de Ricardo Berzoini. Quem conhece bem o PT por dentro não se espanta com o que está acontecendo, e entende o que o atual secretário-geral do PT, Raul Pont, quer dizer quando insinua que “essas jogadas são da mesma turma de sempre”.
Também o senador Aloizio Mercadante tem certeza de que a trama do dossiê foi obra da direção nacional do PT com a direção paulista, e com isso ele insinua a atuação do grupo de José Dirceu, que ainda tem influência no partido. Dirceu apoiou Marta Suplicy para governadora, e não estaria metido em manobra alguma para beneficiar Mercadante diretamente.
Mas Dirceu deixou a entender em seu blog, logo em seguida à circulação da “IstoÉ” em que os Vedoin acusavam Serra de envolvimento no escândalo dos sanguessugas, que a denúncia teria repercussão nacional.
Escreveu que, a ser verdade o que a revista dizia, era o fim “da candidatura do Chuchu”, sem que os Vedoin tivessem citado Geraldo Alckmin na entrevista.
Mas no dossiê que seria alvo da negociação, havia fotos de Alckmin em uma solenidade de distribuição de ambulâncias. Como Dirceu saberia disso antes de o dossiê ter sido divulgado pela Polícia Federal? Dirceu comentou também, no mesmo texto, que talvez a candidatura de Serra não fosse abalada, pois ele tinha uma boa dianteira.
O comentário sugere que acabar com a possibilidade de um segundo turno na campanha presidencial seria um dos objetivos da operação ilegal, mas é sempre possível que Dirceu alegue que estava se referindo aos danos à imagem do PSDB, supondo que eles respingariam em seu candidato à Presidência.
Os indícios, reforçados pelos telefonemas entre ele e o chefe do “serviço de inteligência” da campanha de reeleição, Jorge Lorenzetti, levam à investigação da Polícia Federal. Além do mais, Hamilton Lacerda, o assessor de imprensa de Aloizio Mercadante que foi exonerado do cargo por ter confessado que procurou a “IstoÉ” para “vender” a entrevista, e foi identificado como o homem que levou a mala de dinheiro ao hotel, é do grupo político de Dirceu no PT paulista.
É sempre bom lembrar, porém, que Dirceu, quando chefe do Gabinete Civil, acusou a Polícia Federal de ser “tucana”, o que pode ter colocado parte da corporação contra ele. As investigações também se concentram na origem dos dólares, que teriam vindo do México por intermediações políticas junto a um grande empresário.
Também os indícios de que parte do dinheiro veio de uma banca do jogo do bicho no Rio de Janeiro remetem ao escândalo que envolveu, no início do governo Lula, um ex-assessor de José Dirceu, Waldomiro Diniz, com bicheiros e controladores de bingos. Diniz chefiou a Loterj na gestão de Benedita da Silva no governo do Rio.
Para fechar todas as pontas, existe o fato histórico, relatado pelo ex-petista Cid Benjamim, hoje no PSOL, de que esse “setor de inteligência” que funcionava na campanha de reeleição de Lula, sob o comando de Lorenzetti, foi uma criação de Dirceu na campanha de 2002.
Cid Benjamim contou em seu blog que, em fevereiro de 2002, em uma conversa no Fórum Social Mundial em Porto Alegre, Dirceu lhe disse que estaria montando “um serviço secreto dentro do PT. Uma coisa que será sigilosa e que as pessoas sequer saberão que existe.
E esse serviço vai ficar subordinado diretamente a mim”. O próprio Cid se perguntava, na ocasião do surgimento do escândalo do dossiê: “Estará ele ainda à frente desse simulacro de KGB? Eu não afastaria a hipótese”.
Outra conversa telefônica detectada no cruzamento de dados da Polícia Federal foi do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, com Jorge Lorenzetti.
O secretário particular do presidente Lula admitiu que os telefonemas foram trocados durante o período em que a compra do dossiê estava sendo negociada, o que os tornaria mais relevantes para a elucidação do caso.
Gilberto Carvalho, companheiro de longa data de Lula e José Dirceu, foi acusado pelos irmãos do ex-prefeito Celso Daniel de ser o transportador do dinheiro que o PT recolhia entre os empresários da região de Santo André para o caixa dois do partido.
Segundo denúncias feitas na CPI dos Bingos, Gilberto Carvalho entregava o dinheiro recolhido a José Dirceu, que presidia o partido.
Carvalho negou todas as acusações, inclusive em uma acareação com os irmãos de Celso Daniel. Essa linha de investigação, embora aparentemente se aproxime cada vez mais do presidente Lula, pode também levar a que apenas o Partido dos Trabalhadores e suas instâncias oficiais e não-oficiais venham a ser incriminados. Não foi à toa que o atual presidente do PT, Marco Aurélio Garcia, ofereceu a abertura do sigilo bancário do partido.
A legislação eleitoral atual responsabiliza o candidato pelas irregularidades ocorridas em sua campanha, diferentemente da anterior, que jogava a culpa apenas no tesoureiro. A mistura entre a campanha e o partido, que tinham o mesmo presidente, Ricardo Berzoini, pode servir para confundir as responsabilidades.
Assim como Lula sempre diz que nunca sabe quando é presidente e quando é candidato, Berzoini também pode ter misturado as duas funções.
Entrevista:O Estado inteligente
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