Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 09, 2006

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Equação do segundo turno


O povo sabe que pelo menos no dia da eleição ele tem poder e está sabendo exercê-lo cada vez melhor

A EQUAÇÃO das eleições presidenciais de 1º de outubro foi simples: os muito ricos e os pobres votaram em Lula; a classe média votou em Geraldo Alckmin.
As pesquisas de intenção de voto não deixaram qualquer dúvida a respeito, exceto com relação aos muito ricos, que elas não captam porque são poucos e fogem da distribuição normal. Nunca houve uma eleição tão polarizada e tão esquizofrênica como essa: polarizada porque os pobres e os pouco educados votaram em um candidato, e os remediados e educados, em outro; esquizofrênica porque os muito ricos votaram com os pobres e os miseráveis.
Uma segunda característica do primeiro turno foi a queda de Lula nas duas últimas semanas, em decorrência da indignação geral causada pelo dossiê contra os adversários e pela arrogância do candidato de não comparecer aos debates.
Diante desses fatos, duas perguntas se colocam: Por que a votação assumiu esse padrão tão definido? Terá a tendência favorável a Alckmin força para levá-lo à vitória no segundo turno?
A explicação econômica não deixa dúvida: os pobres votaram em Lula porque foram beneficiados pelo aumento do salário mínimo e pelo aumento de recipientes do Bolsa Família; os muitos ricos, porque foram privilegiados por juros inacreditavelmente generosos. A distribuição não foi igual: os muito ricos, que não passam de 2 milhões, receberam do Tesouro nacional 8,5% do PIB na forma de juros (dos quais 2,5% pontos percentuais podem ser considerados razoáveis, e 6,5%, captura), enquanto os pobres, que somam pelo menos 75 milhões, receberam menos de 3% do PIB na forma de assistência social evidentemente legítima, embora não estimuladora do trabalho. A distribuição foi, portanto, desequilibrada. Considerando um PIB de R$ 2 trilhões, os 6% recebidos pelos ricos correspondem a um subsídio de cerca de R$ 60 mil por pessoa, enquanto os 3% recebidos pelos pobres, a uma assistência de cerca de R$ 800 por pessoa ao ano. A diferença brutal, entretanto, não impediu o voto dos pobres em Lula, porque eles se sentiram de qualquer forma beneficiados pela bolsa e pelo aumento do salário mínimo.
Já a classe média votou em Geraldo Alckmin porque nada recebeu do governo, a não ser uma pequena parcela da burocracia do Estado que continua a receber salários e aposentadorias privilegiadas. Os demais viram seus salários estagnarem, seus empregos desaparecerem e seus parentes e amigos emigrarem.
E porque, em um primeiro momento, a classe média ficou indignada, mas confusa pela corrupção do escândalo do mensalão, que o governo insistia em chamar de "caixa dois", mas, mais recentemente, eliminou qualquer dúvida ao ver no escândalo do dossiê a confirmação da falta de ética que domina o PT e o Planalto.
A força dessa indignação é grande, espalha-se gradualmente por toda a sociedade e poderá ser suficiente para levar Geraldo ao Planalto. Receio, entretanto, que não seja suficiente: que não bastará eliminar a corrupção política, que é profundamente desmoralizante, mas representa pouco em valor; Alckmin precisará dar sinais de que enfrentará o problema da corrupção econômica -da captura do patrimônio público pelos rentistas e associados.
Sei que essa é uma questão delicada, sei que os políticos devem fazer compromissos, procurar somar, em vez de dividir. Mas, sem uma indicação clara de que o novo governo reformulará a política econômica, combinando um grande ajuste fiscal com uma redução simultânea (em vez de a posteriori) da taxa de juros que incide sobre os títulos públicos, ele não estará dando aos pobres motivos suficientes para mudar de lado.
A objeção conservadora a esse tipo de argumento é inevitável: "Os eleitores não sabem votar, não pensam tão racionalmente". Nada mais enganoso, porém, do que subestimar o povo. Ele pode estar mal informado, em muitos casos ele é enganado, como em parte também está acontecendo nestas eleições, mas ele sabe que pelo menos no dia da eleição ele tem poder e está sabendo exercê-lo cada vez melhor.

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