Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, outubro 09, 2006

Decisão irresponsável

Tão brutais serão suas conseqüências negativas para as finanças públicas que provavelmente nem mesmo os autores das propostas aprovadas há dias pela Comissão Mista Especial do Congresso que cuida do salário mínimo - entre as quais uma regra permanente para o aumento real do mínimo - acreditam que elas passarão pelo plenário do Senado e da Câmara. Mesmo assim, espanta o contribuinte e o eleitor consciente o fato de essas propostas terem sido aprovadas pela comissão, formada por deputados e senadores de todos os partidos, da base governista e da oposição, sem que nenhuma voz tenha se levantado contra elas.

Como se vivessem no mundo da fantasia - ou da irresponsabilidade estimulada pelo desejo de agradar aos eleitores a qualquer preço -, os membros da comissão mista aprovaram uma lista de generosidades inalcançáveis nas condições atuais do País. Uma delas é o aumento real do salário mínimo - isto é, acima da inflação -, correspondente a duas vezes o crescimento do PIB brasileiro. Por essa regra, se o PIB crescer 3,5% neste ano, em 2007 o mínimo terá aumento real de 7%. Se, como é desejo de todos, crescer mais depressa, algo como 5%, o mínimo terá aumento real de 10%.

Outra medida aprovada pela comissão mista é o aumento de todos os benefícios previdenciários, qualquer que seja seu valor, pelo mesmo índice que for aplicado ao salário mínimo. Atualmente, essa regra vale apenas para os que ganham um salário mínimo; para os que recebem benefícios de valor mais alto, o reajuste é bem menor.

Ainda na área da Previdência, a comissão aprovou uma proposta de emenda constitucional pela qual os que ingressam no mercado de trabalho só poderão se aposentar com idade mínima de 60 anos e após 35 anos de contribuição, se for homem, ou 55 anos de idade e 30 de contribuição, no caso da mulher. Em compensação, foi proposto o fim do fator previdenciário, que calcula o valor do benefício com base na expectativa de vida e desestimula a aposentadoria precoce. A segunda medida provavelmente anulará os efeitos benéficos da primeira sobre as contas da Previdência.

Com relação às receitas previdenciárias, a comissão aprovou a proposta de extinção da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamentos, mas a substituiu pelo aumento da alíquota da Cofins de 7,6% para 10%, no caso das empresas que recolhem esse tributo pelo valor agregado.

É pouco provável que os congressistas tenham levado em conta o impacto dessas medidas, para as contas do governo e para as finanças dos contribuintes, antes de aprová-las. O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), calculou qual seria o efeito da correção dos benefícios previdenciários de acordo com as regras aprovadas pela comissão mista do Congresso e concluiu que elas são 'uma irresponsabilidade completa, que quebra o País'.

Se o PIB crescer ao ritmo de 3,5% por ano e se o número de aposentados aumentar na velocidade observada atualmente, daqui a dez anos as despesas do INSS terão passado do equivalente a 8% do PIB para 15,7% - praticamente dobrando como porcentagem do PIB. Se com as regras atuais, em que os benefícios mais altos são corrigidos por um índice menor do que o de reajuste do mínimo, a tendência do déficit previdenciário é de aumento contínuo, dá para imaginar como o rombo aumentará caso as despesas passem a crescer num ritmo muito mais rápido.

Para quem conhece a trajetória política e a atuação no Congresso do senador Paulo Paim (PT-RS), que não faz outra coisa senão propor o aumento real do salário mínimo, o fato de ele ter sido o relator dessas medidas explica muita coisa. Surpreendentemente realista, porém, Paim não acredita que haja tempo para, passado o segundo turno da eleição presidencial, o Congresso votar as medidas - são quatro projetos de lei e uma proposta de emenda constitucional - ainda este ano. Menos mal.

Mas, cedo ou tarde, o Congresso, em votações separadas no Senado e na Câmara, terá de decidir sobre elas. E não há a possibilidade de elas serem barradas nas comissões técnicas de cada uma das Casas. Elas vão direto a votação em plenário. Espera-se que o bom senso prevaleça nas votações.

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