Fernando Sampaio Ao fazer um diagnóstico do governo Lula, Reinaldo Azevedo, jornalista, articulista político e autor do livro "Contra o consenso", não teve dúvidas: trata-se de uma gestão "extravagante na teoria e incompetente na prática". Tamanha violência crítica poder parecer estranho nestes tempos em que, por mais enfraquecido que estejam o PT e o governo, nada parecer grudar no presidente. Reinaldo é responsável por um dos blogs de jornalismo político de maior audiência da internet. O www.reinaldoazevedo.com.br rivaliza em importância com o de Ricardo Noblat. Concordando ou não com o jornalista, é impossível ficar indiferente às suas posições. Logo na abertura do blog, conceito do escritor austríaco Robert Musil, tirado de "O homem sem qualidades", alerta o leitor desavisado: "Não há nenhum pensamento importante que a burrice não saiba usar, ela é móvel para todos os lados e pode vestir todos os trajes da verdade. A verdade, porém, tem apenas um vestido de cada vez e só um caminho, e está sempre em desvantagem". Ex-editor da revista "Primeira Leitura", Reinaldo define Lula como "profundamente ignorante", mas "de uma inteligência política rara. É um líder da esquerda atrasada latino-americana, hábil o bastante para se fingir de democrata. E o PT é seu instrumento". TRIBUNA DA IMPRENSA - O que é esta crise política? REINALDO AZEVEDO - A crise que está instalada se dá entre os grupamentos políticos que acatam a democracia como valor universal e como prática inegociável, condição para governança, e aqueles que a têm como meio meramente tático. O PT não é e nunca foi um partido democrático. Sua famosa "democracia interna", que nunca foi nada mais do que um arremedo do velho bolchevismo, sempre disfarçou a vocação profundamente autoritária. O PT passou 22 anos sendo sistematicamente contrário a tudo o que os sucessivos governos, tão diferentes entre si, propunham. Teve a estupidez de se opor ao Plano Real, que pôs fim ao imposto inflacionário e deu um rumo ao País, a despeito dos problemas. Quando FHC foi reeleito, no 19º dia de seu segundo mandato, o agora ministro Tarso Genro escreveu um artigo cobrando a sua renúncia e pedindo a realização de eleições gerais. É o mesmo que agora, ridiculamente, vem falar numa concertação política. Ora, quem quer fazer concertação? O partido que, há pouco mais de duas semanas, tentou dar um golpe nas eleições. É preciso chamar as coisas pelo nome. A armação do dossiê fajuto foi para desmoralizar José Serra. O que eles pensaram? "Lula está reeleito e precisa reformar o Brasil. Mas a oposição terá um líder, chamado Serra. Precisamos desmoralizá-lo". Foi uma tentativa de governar sem oposição, uma vez que o Congresso também está desmoralizado por sucessivos escândalos. A crise se dá porque existe um partido que pretende dar um "by pass" na democracia. E isso precisa ser denunciado e evidenciado. O PT acha que o Congresso atrapalha, que a oposição atrapalha. É sua vocação totalitária ganhando dimensão prática. O partido inaugurou o presente eterno na política. Age como se não tivesse passado, história. Aliás, faz o mesmo com terceiros. Veja só: transformou-se ou numa máquina de emporcalhar reputações ou numa lavanderia de biografias. É o caso de Sarney, tornado um herói da resistência por Lula e seus homens da mala preta. Já FHC, um democrata, é transformado no grande satã. É um quadro desolador, que vai minando a confiança nas instituições brasileiras. Por que existem os escândalos? Porque o PT precisa deles. Não é que precise deles para governar. Precisa para executar o seu projeto. Ora, se eles querem transformar o Congresso numa casa irrelevante, qual é o caminho mais curto? Fechá-lo. Ocorre que Lula ainda não é ditador. Então, não pode fazê-lo. Se não pode cercar com tanques o Legislativo, então o PT manda comprar. O escândalo do mensalão é isto: uma tentativa de eliminar um dos Poderes da República. O terceiro Poder, que é o Judiciário, como vimos, já está politizado o bastante, sob os auspícios e o estímulo do Poder Executivo. Não custa lembrar que, até outro dia, o Supremo Tribunal Federal era presidido por um então declarado candidato a vice-presidente de Lula. A operação não saiu exatamente como eles queriam. Mas Nelson Jobim, que é de quem estamos falando, confirmada a reeleição de Lula, é candidato a suceder Márcio Thomaz Bastos no Ministério da Justiça. É vergonhoso. Acho que já o caracterizei até aqui. O PT é um partido de esquerda e, pois, autoritário. Esquerda democrática é uma ficção inventada por alguns espertinhos para pegar trouxa. Qual é a essência de um partido de esquerda? Achar que tem a chave do futuro e que todos aqueles que se opõem a seu projeto são passadistas, reacionários, descartáveis, não entendem o sentido da evolução da história e da humanidade. Isso não sou eu que digo. É teoria política escrita. Gramsci, o teórico comunista italiano, num estudo que fez sobre Maquiavel, que está em "Cadernos do Cárcere", dizia que o príncipe atual, o "Moderno Príncipe", não é um homem, é o partido. O PT é gramsciano. Ele se quer este ente de razão que tudo pode, tudo sabe e tudo coordena. Gramsci dizia que o Moderno Príncipe haveria de subverter todos os princípios. E que tudo na sociedade se faria contra ou a favor o partido, de sorte que ele fosse um novo imperativo categórico. De certo modo, estamos experimentando isso. A política brasileira passou a ter um único eixo: o PT. Há lideranças regionais aqui e ali, mas são marginais. As únicas forças que ainda resistem, e mal, porque fazem má política, são o PSDB e o PFL. Mas os dois partidos têm o terrível vício de subestimar o PT. O PFL porque não tem a devida unidade e ainda tem muitos caciques regionais. O PSDB por conta de uma certa soberba intelectual. Então acontece o quê? O PT vai falando sozinho e ditando o ritmo e o rumo dos acontecimentos, embora tenha feito o governo mais corrupto de que se tem notícia. Quando se fala isso, eles perguntam: "qual o critério de comparação?" Qualquer um que se queira: quantidade de escândalos, valor envolvido nas tramóias e comprometimento das instituições com a lambança. O PT tentou comprar uma fatia do Congresso. Isso não é pouca coisa. Comprar mesmo, com grana. Nem era aquela prática antiga, de trocar cargo por apoio. Isso é mais ou menos corriqueiro nas democracias do mundo. Pode-se fazê-lo com ou sem acordos programáticos, de princípio. Mesmo que seja um mero arranjo de circunstância, não se trata de um crime. Já pagar um deputado ou um senador em dinheiro vivo para obter apoio ou vantagem é crime. E muito grave. É um governo extravagante na teoria e incompetente na prática. O governo Lula conseguiu juntar o autoritarismo da esquerda com ortodoxia econômica sem imaginação. E deu nessa porcaria que aí está. Mesmo com a economia mundial vivendo um ciclo único no pós-guerra, de estabilidade duradoura, o País terá um crescimento médio, ao longo de quatro anos, de uns 2,8%, talvez menos. Com FHC, ao longo de oito, crescemos 2,33%, a despeito de sete crises, cinco delas com potencial para derrubar governos. Cadê o Lula virtuoso? Não obstante, o País continua pagando juros reais escandalosos. Os juros reais nos EUA ou na União Européia não chegam a 1%. Aqui, chegam a quase 11%. É um escândalo. Em 2002, o País exportava a metade, o risco soberano era oito vezes maior, tínhamos problema de liquidez externa, e os juros reais eram de 11,2%. Como pode isso? Pode! Lula amarrou-se ao setor financeiro, prometeu ser fiel a seus princípios e, com isso, conseguiu o apoio de partidos conservadores, de alguns usurpadores do liberalismo. O liberalismo brasileiro foi seqüestrado pelo financismo. É um governo conduzido por idiotas de esquerda, apoiados por idiotas de direita. Tanto uns quanto os outros estão atrás de benefícios por desapego a seus respectivos princípios. Uns querem poder, sempre mais, e outros, ganhar dinheiro. Uns rifam a sua ideologia para ter apoio dos antigos inimigos, e os antigos inimigos chamam de pragmatismo o que não passa de uma mera operação financeira. Esse mesmo governo que condena o País ao baixo crescimento e, portanto, à reprodução do ciclo da miséria, é o que transformou os programas assistencialistas que já havia numa monumental máquina eleitoral. Basta olhar a distribuição dos votos de Lula. Ele só ganha em dois cortes: Nordeste e entre os que têm rendimento de até dois salários mínimos. Quer dizer que é um governo dos pobres? Não! É um governo do "pobrismo", que é coisa bem diferente. Lula está cevando alguns milhões de cativos, que ficarão dependentes dos programas erroneamente chamados de "distribuição de renda". Não se distribui nada. Veja o que aconteceu com os salários médios no Brasil ao longo desses quatro anos. Foram achatados. Numa economia que cresce pouco, a classe média paga o pato, ameaçada pelo desemprego e pela substituição da mão-de-obra por quem ganha menos. O que se chama de diminuição da desigualdade no Brasil é o empobrecimento da classe média, que perdeu qualquer chance de fazer uma poupança mínima ou de planejar o seu futuro. E o governo pega parte do que arrecada com sua carga tributária estúpida e converte em doação, sem contrapartida, aos muito pobres, em troca da fidelidade eleitoral. Quem está com fome quer comida? Quer. Mas há modos e modos de fazê-lo. Lula está transformando as potencialidades futuras do Brasil em consumo presente - se me permitem, o futuro do Brasil está virando cocô. Se esses pobres estivessem sendo capacitados para andar pelas próprias pernas, vá lá. Mas continuarão a compor a romaria de famélicos do ministro Patrus Ananias. Tivemos a pior legislatura da história, e, potencialmente, o que vem por aí não é muito melhor do ponto de vista da qualidade dos representantes. Há algumas leis moralizadoras, é verdade, como a que coíbe pagamento de extras na convocação extraordinária, a que institui o voto aberto para cassações - atenção: sou favorável ao voto aberto só nesse caso; nos demais, seria jogar o Legislativo no colo do Executivo. Uma reforma política que instituísse a fidelidade partidária e o voto distrital misto contribuiria para melhorar o Congresso. Mas que se destaque: o Executivo é muito forte no Brasil. Se ele se mostrar disposto a comprar, sempre vai haver alguém disposto a vender. Não é só ele que diz, não é? As pessoas falam em ética sem conceituá-la. O que é ética? É um conjunto de valores que diz respeito a uma coletividade, que é partilhado por um conjunto de pessoas, à diferença da moral, que é individual. Cada indivíduo tem a sua moralidade. Ora, é claro que os valores coletivos, que organizam a vida social e política, estão em crise no Brasil. E se trata de uma crise particularmente grave porque liderada pelo partido que se dizia a encarnação da ética na política. Sempre que alguém vem com esse papo pra cima de mim, dou um jeito de escapar. "Ética na política" quer dizer exatamente o quê? Quem estabeleceu o tal valor como norma, como diretriz? A ética do PT não me interessa. Mas é a que eles têm a oferecer. Quando Marilena Chauí ou Wanderley Guilherme dos Santos deliram afirmando que há uma tentativa de golpe no Brasil, estão tentando nos impor a sua "ética". Temos uma crise de valores. Ela é ética? Acho que sim. Mas de qual ética estamos falando? Aquela que, entendo, deve servir a um Estado liberal e democrático. O petismo, por exemplo, não vive crise ética nenhuma. Eles são assim mesmo. Muito simples. Votar sempre contra o PT e seus aliados, objetivos ou subjetivos. Reforma política: fidelidade partidária, voto distrital misto, fim das emendas individuais ao Orçamento; reforma administrativa: redução drástica dos cargos de confiança; fim da estabilidade do funcionalismo; Não há o que destrinchar. Eles são uma coisa só. O fato de o eleitorado de Lula ser maior do que o do PT não quer dizer nada. Ele não existe sem o partido e vice-versa. É uma tolice imaginar que Lula é um ingênuo assombrado por bolcheviques meio malucos. Lula é profundamente ignorante, mas é de uma inteligência política rara. Ele é o representante do Foro de São Paulo, de que é fundador, no Brasil. É um líder da esquerda atrasada latino-americana, hábil o bastante pra se fingir de democrata. E o PT é seu instrumento. Já defini. Foi uma tentativa de dar um golpe nas eleições. Você usou a palavra certa. A parte da PF que Márcio Thomaz Bastos comanda se especializou em ameaçar donos de cervejaria e donas de butique. Foi uma forma de dizer que os ricos também arcam com o peso da lei no País. Houve arbitrariedade naquele espetáculo todo que foi promovido para encantar a mídia. Era coisa séria? Se fosse, Bastos teria ele mesmo divulgado as imagens da dinheirama do caso do dossiê fajuto. Não teria de ser furado por um jornal, como foi. O ministro da Justiça pôs uma instituição do Estado a serviço de um projeto político.Jornalista chama Lula de extravagente e incompetente
E os escândalos? São resultado da impunidade?
Defina o PT e seu papel nesta crise.
E o governo Lula? Defina-o.
Por que não apoiar Lula? Os títulos da dívida pública na sua mão rendem uma enormidade.
O Congresso naturalmente foi afetado, o que vem por aí?
O presidente da OAB, Roberto Busato, diz que falta ética no Brasil. Falta?
Eles querem dizer o seguinte: tudo o que não serve ao poder petista é potencial e realmente ruim; é contrário à ética.
Dá para alertar a sociedade para que não fiquemos chocados depois?
Quais medidas deveriam ser postas em prática para coibir esse estado de coisas?
reforma econômica: privatização de todas - note bem e escreva em caixa alta: DE TODAS - as estatais. Elas são a verdadeira fonte da corrupção no País; instituição do pregão eletrônico para compras do governo.
Como destrinchar as relações PT e o presidente Lula?
Como o senhor define esse "dossiêgate" e seus atores?
E a Polícia Federal como um dos carros-chefe do marketing lulista? Como explicar isso?
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, outubro 09, 2006
Entrevista - REINALDO AZEVEDO
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