Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 15, 2006

Jogo bruto no segundo tempo

Jogo bruto no segundo tempo

Gaudêncio Torquato

Que a eleição é uma oportunidade para se passar um país a limpo, não há dúvida. Da mesma forma, é correta a idéia de que o pleito deve servir para que a sociedade conheça a fundo as idéias dos candidatos. Errado, porém, é transformar o principal em acessório. Pérfido é abusar do princípio maquiavélico - os fins justificam os meios - para chegar à vitória. Por mais que a imprensa abra espaços para a visão dos candidatos a respeito de temas fundamentais - como segurança, saúde, educação, transportes, energia -, até o momento o que se viu foi um mosaico de pontuações, quase sempre superficiais, incrustado na parede da personalização do poder, onde o jogo de cena dos participantes ocupa o centro da arena. Basta ver o desenrolar do segundo turno. Em vez de profunda discussão sobre um projeto estratégico para crescimento do País, o que está em jogo é o desempenho de Luiz Inácio e Geraldo Alckmin na mídia. Quem se saiu melhor ou pior na TV, quais as melhores tiradas, quem foi mais cruel e o mais injustiçado, eis o que interessa. A espetacularização suplanta questões de fundo. O mais contundente confronto dos últimos tempos, se teve o mérito de ferir o tecido nervoso que cobre o ciclo eleitoral, não permitiu distinguir a visão estratégica dos candidatos sobre o futuro da Nação.
Vamos por partes. A pergunta-chave desta fase da campanha - de onde veio o dinheiro para comprar um dossiê contra os tucanos? - deve ser respondida, como, aliás, reza a cartilha de Lula, onde se lê que “este governo não coloca a sujeira por baixo do tapete”. Como a resposta balizará o sufrágio, convém que seja dada antes do dia 29. Se aparecer depois, como prega o ministro da Justiça, é porque Maquiavel foi convidado a dar uma ajuda a Lula. Cai por terra a tese de que “a lógica da ética é a punição”. Justiça retardada por conveniência é malandragem. Como nenhum petista viu a cor do dinheiro, emerge o cenário futurista da mala com a grana viajando no tempo pelo teletransporte do capitão Kirk da nave estelar Enterprise da Jornada nas Estrelas. Até as orelhas do lógico dr. Spock tremem ante a lógica petista. Mas a questão ética não pode e não deve canibalizar os eixos centrais do discurso. Questões fundamentais aguardam definições claras. Como os presidenciáveis pretendem reformar a Previdência Social, a fim de evitar o gigantesco buraco que ameaça inviabilizar o sistema? Gasta-se cerca de 12% do PIB com aposentadorias, mas apenas 8% da população é de idosos. Um pouco mais adiante, o País estará quebrado.

Onde e como serão feitos os cortes nos gastos públicos sem comprometer investimentos em infra-estrutura, sem reduzir investimentos em programas sociais e, ainda por cima, preservando a estabilidade da moeda e garantindo crescimento em torno de 5% do PIB ao ano? Qual é o projeto estratégico com os alinhamentos necessários para o País crescer, a partir das políticas de indústria, agricultura, energia e transportes, rendas e emprego? O que se lê nos programas dos candidatos é um arrazoado de boas intenções. Nada muito convincente. Os vácuos poderão ser preenchidos com debates sobre a realidade brasileira. Consultores independentes fariam uma avaliação imparcial das propostas, ajudando a qualificar o debate e a visualizar o perfil mais adequado para governar o País.

Como a proposição parece inexeqüível, resta voltar à rota da balbúrdia que atordoará o eleitorado até dia 29. De início, a constatação: a campanha do segundo turno começou sob o império da ilegalidade. Ministros fazem campanha. Recursos são liberados para Estados em troca do apoio de governadores ao candidato à reeleição. Nuca se viu um (ab)uso tão escancarado da máquina governamental. Ademais, o petismo-lulismo ressuscita o terrorismo político. Tenta massificar o “risco Alckmin” com a idéia da “privataria” da Petrobrás, da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, dos Correios, em resposta ao “risco Brasil” que, em 2002, foi usado para desestabilizar a candidatura de Lula. A atual artimanha não impacta setores médios, mas tem o condão de espalhar fumaça por todos os lados, com possibilidade de cooptar votos ideológicos como os da base de Heloísa Helena. Se a guerreira de cabelos presos tem ódio ao PT por ter sido expulsa do partido, parcela significativa de seu eleitorado se identifica com a tônica nacionalista que Luiz Inácio incorpora pesadamente à peroração. Esse fato explica a troca do bonde de Alckmin pelo trem de Lula por muitos eleitores psolistas.

A fala contra o “entreguismo” do PSDB objetiva formar ondas concêntricas e mobilizar as bases petistas. A idéia é chamuscar a bandeira ética tucana com o fogo nacionalista. A tática pode ser eficaz. Para consolidar o voto das margens se insiste no “social, social, social”, jogando as massas contra o tucano, candidato dos ricos. A imagem de exterminador do futuro, que se tenta colar em Geraldo, amedronta os dependentes do Bolsa-Família ou os eleitores do Norte induzidos a pensar que o candidato fechará a Zona Franca de Manaus. O jogo é bruto.

Para arrematar o perfil de Lula, procura-se lapidá-lo com a imagem de pessoa maltratada e injustiçada. Um presidente da República humilhado pelo opositor em cena aberta. Geraldo Alckmin inseriu semitons acima do que a melodia podia suportar. O conceito de homem público educado pode ter sido levemente corroído, até porque os brasileiros tendem a ficar do lado do mais fraco.

O tom agudo do segundo turno, infelizmente, impedirá uma discussão madura sobre o País. O eleitorado decidirá sob um clima de tensão. Se nenhum fato de impacto ocorrer, não deverá haver mudanças substantivas na decisão de cerca de 90% dos eleitores que já firmaram posição. Cerca de 10% dos eleitores de cada candidato ainda podem mudar o voto, ou seja, 15 milhões a 18 milhões de pessoas definirão o vencedor num julgamento mais emocional que racional. Uma decisão sob o prisma da razão seria melhor para a nossa democracia.

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