Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 08, 2006

Gaudêncio Torquato Para onde vai o vento?


Por que a vitória, que se previa tão fácil a ponto de propiciar negociações com vista ao segundo mandato, ameaça escapar das mãos de Luiz Inácio? Afinal de contas, por que a campanha eleitoral ganhou um segundo turno? Uma resposta satisfatória a estas duas perguntas abre pistas para se chegar ao vencedor, em 29 de outubro, podendo ser ele, o presidente Lula, ainda franco favorito, e, com razoável possibilidade, o adversário, Geraldo Alckmin. O caráter do brasileiro, a cultura política e a psicologia das massas são os três fatores que explicam a imprevisibilidade da tomada de decisão do eleitor no atual pleito. Antes que sejamos acusados de cometer uma platitude, avancemos nas explicações: o vento mudou de rumo, nos dias que antecederam o pleito; uma surpreendente onda anti-Lula se formou; as classes médias contribuíram para adiar a escolha; e o eleitor brasileiro muda de voto e é capaz de decidir na última hora.

O mestre Fernando de Azevedo, estudioso do caráter nacional, ensina que o brasileiro agrega três características: bondade, reserva e desconfiança. Generoso ao extremo, vota em gente séria, mas oferece as sobras para mensaleiros, sanguessugas, perfis polêmicos como Collor ou extravagantes como Clodovil. Afinal, no mosaico étnico-cultural brasileiro, cabe a fusão harmônica de ingredientes mentais, com votos conscientes, racionais, emotivos, agradecidos, cacarecos, debochados e histriônicos. A afetividade e a irracionalidade, que puxam a alma nacional para a improvisação e a imprevidência, não apagam, porém, a tintura de desconfiança, que salta aos olhos quando se vê diante de pessoas que querem ludibriá-lo. A generosidade dá lugar às paixões violentas. Coloque-se, agora, no menu o recheio de escândalos que, há mais de ano, batem na cachola dos eleitores, adicionando-se o caldo grosso do dossiêgate, e se chega a uma razoável idéia do que ocorreu nos últimos dias antes de 1º de outubro. O que eram favas contadas para Lula acabou em votos descontados no índice de 1,39% de que precisava para ganhar no primeiro turno.

A corrupção, vale dizer, tornou-se banalizada, a ponto de o eleitor nivelar por baixo a classe política, sobrando espaços de admiração apenas para poucos, entre os quais o próprio presidente da República, símbolo maior da dinâmica social brasileira. Graças ao carisma, Lula tornou-se um perfil que paira sobre o PT, partido manchado. Mas nenhuma cultura política, por mais destrambelhada que seja, resiste ao bombardeio de uma mídia que estampa montes de cédulas de reais e dólares arrumados pelo PT para comprar um dossiê contra o candidato José Serra. O feitiço dos 'aloprados' virou contra o feiticeiro. Nesse ponto, entra em cena o velho Pavlov, com a receita dos reflexos condicionados, centrada em conceitos como excitação, intensidade de atenção, reações emotivas de interesse e reflexos de orientação. Interpretação da psicologia: a excitação gerada pela dinheirama despertou a atenção das massas, que ganharam reflexos de orientação a respeito dos candidatos. Caiu lama na roupa do presidente. As classes médias, tomadas de indignação, ainda mais pelo fato de anotarem a fuga de Lula ao debate com o adversário na TV, mais dele se afastaram.

Explica-se, assim, a tendência de crescimento, mesmo a conta-gotas, de Geraldo Alckmin e a leve curva descendente de Lula, às vésperas do pleito. As duas curvas se encontraram no dia da eleição. E não se vão anular. O segundo turno não zera tudo, como se diz. A campanha continuará sob o resultado dos primeiros 45 minutos do jogo. Esse resultado aponta para leve vantagem de Lula, mas a curva do opositor é ascendente. Chega a vez da aritmética eleitoral. Os tucanos José Serra e Aécio Neves ganharam bem nos dois principais colégios eleitorais do País, São Paulo, com 28 milhões de votos, e Minas Gerais, com 13 milhões. Serra ganhou com 57,93% dos votos válidos e Aécio, com 77,03%. Alckmin teve nos dois Estados, respectivamente, 54,2% e 40,62% e Lula, 36,77% e 50,8%. Se Geraldo, com a força de Aécio, conseguir mais 10% em Minas, meta bem razoável, e alcançar a mesma votação de Serra em São Paulo, ultrapassará Lula. No Rio, terceiro colégio eleitoral, Geraldo contará com o apoio do polêmico Garotinho, que apóia Sérgio Cabral, que apóia Lula. Os eleitores de Denise Frossard votarão mais em Alckmin. Nos três Estados do Sul, o tucano suplantou Lula em 20,39%. Considerando-se o favoritismo de Yeda Crusius (RS), que receberá os votos do PMDB de Rigotto, e do favorito Luiz Henrique (SC), o desempenho de Geraldo poderá até melhorar no Sul, lembrando que os deputados peemedebistas do Paraná, mesmo apoiando o lulista Requião, estão com o tucano.

Os maiores cabos eleitorais de Lula estão no Nordeste: Jacques Wagner, na Bahia, que ganhou o governo, e Ciro Gomes, no Ceará, com a maior votação proporcional do País, que lutarão para expandir o voto lulista. Observe-se, porém, que os correligionários do candidato do PSDB na região permaneceram enrustidos, temendo a derrota no primeiro turno. Agora, com a campanha federalizada, serão obrigados a tomar partido. Ademais, o índice de Lula no Nordeste parece bater no teto. No Centro-Oeste, a crise da agricultura foi responsável pela derrota de Lula em cinco Estados, inclusive no Acre, território petista. Diz-se que Lula tentará reconquistar as classes médias e entrar de sola em São Paulo, tarefa complicada tanto pelo discurso de que governa apenas para os pobres quanto pelo verniz anti-Lula que cobre os fortes contingentes médios no Sudeste. Não se recompõe confiança em 20 dias. A sabedoria popular ensina que não há força capaz de mudar o rumo do vento. Os pacotes de dinheiro do dossiêgate forçam o vento na direção oposta a Lula. Mas ele poderá demonstrar a velha regra da política: tudo é possível. Afinal, pode mobilizar ministros para a campanha e liberar recur$o$. Adivinhem o discurso que ouviremos: 'Nunca neste país alguém venceu o vento. Fui o primeiro.'

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