Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 22, 2006

DORA KRAMER Retoque na maquiagem


PF promete revelações, mas divulga pistas ocas e repete informações já conhecidas

Dora Kramer

Novidades consistentes para esclarecer por completo o caso do dossiê podem até surgir neste fim de semana ou nos próximos dias.

Não serão, porém, produto de nenhuma informação oficial da Polícia Federal, no momento bastante empenhada em retocar uma situação maquiada, mas muito pouco interessada em abrir realmente os resultados de suas investigações.

O relatório parcial entregue à Justiça de Mato Grosso na sexta-feira não diz rigorosamente nada de consistente. Ao contrário, só contribui para confundir quando introduz no cenário um telefonema entre Jorge Lorenzetti, o chefe da execução da operação dossiê, e o ex-ministro José Dirceu, com o nítido propósito de demonstrar dinamismo e isenção investigativos sem complicar ninguém.

Nos últimos quatro dias a PF só fez dar motivos para reforçar a idéia de que a instituição presta-se ao manejo de cunho eleitoral e de fato serve antes ao governo que ao Estado.

A começar pela atitude do delegado Daniel Lorenz, superintendente da PF em Mato Grosso, divulgando a “suspeita” de que um “personagem famoso” da política nacional possa estar envolvido porque foram encontradas ligações telefônicas dele para Jorge Lorenzetti, até recentemente o chefe do serviço de informações do PT, apontado como comandante da operação desmonte contra os tucanos.

Houvesse seriedade no gesto, o delegado ou bem comunicaria o nome e a natureza da participação do indivíduo, ou ficaria calado até ter certeza de alguma coisa. A revelação de que o telefonema foi para José Dirceu deixa as coisas no mesmo pé, pois, além de não se saber a respeito do que falaram, ainda que tenha sido uma conversa comprometedora, é de se perguntar: e daí?

José Dirceu foi cassado, não é ministro, seria apenas um cidadão comum se estivesse de posse de seus direitos políticos, a diferenciá-lo da maioria não houvesse uma denúncia do Ministério Público por formação de quadrilha.

Situação parecida é a de Ricardo Berzoini, também citado na boataria de sexta-feira sobre as “descobertas” da PF. Ambos já estão, para todos os efeitos, “responsabilizados”. O envolvimento de Berzoini foi atestado pelo próprio presidente Lula e o de Dirceu, sendo comprovado, não muda nada.

Assim como não altera a ordem das coisas o relato oferecido pelo delegado-chefe do inquérito, Diógenes Curado, a título de esclarecimento à Justiça, muito menos a requentada “descoberta” de que Freud Godoy continua, sim, constando no inquérito como o autor da ordem para a execução da missão.

O rol dos indícios é todo ele de repetições.
Aponta Lorenzetti como o urdidor-mor, cita como participantes Valdebran, Gedimar, Expedito e Bargas, lança suspeita sobre a versão de Hamilton Lacerda de que a mala que carregava não continha dinheiro e sim “boletos de campanha” e conclui brilhantemente: o dossiê visava a alterar o rumo das eleições, “fazendo uma relação do candidato José Serra com a máfia dos sanguessugas”. Assaz elucidativo.

Note-se a nada sutil localização do alvo da armadilha na campanha de São Paulo. Nenhuma palavra que faça lembrar a comemoração antecipada do mesmo Dirceu, agora providencialmente posto à cena, classificando o dossiê (quando ainda era só uma “denúncia” da revista IstoÉ contra o PSDB) como a “pá de cal na candidatura do chuchu”.

Em seu relatório parcial divulgado quatro dias depois de policiais começarem a espalhar que havia otimismo sobre a possibilidade de o caso ser esclarecido antes da eleição, a PF informa que a origem do dinheiro continua desconhecida, mas é de fonte ilícita.

Sim, e para que não fique pedra sobre pedra, o delegado Diógenes assegura: parte dos recursos era do jogo do bicho e as investigações sobre a fonte fornecedora dos dólares estão “em sua fase final”.
Noves fora, coisa alguma de aproveitável para recuperar a trajetória da negociata até seus mandantes e financiadores.

E o cenário de renovada manipulação completa-se com dois movimentos: a manifestação de um Lula conformado com punição caso venha a ser confirmado o crime eleitoral (como se a tentativa já não estivesse suficientemente demonstrada) e a iniciativa do PT de “abrir suas contas”, pedindo o fim do sigilo sobre as investigações.

Isso mais de um mês e várias denúncias sobre intenções golpistas nas cobranças por esclarecimentos depois.

Às inúmeras perguntas ainda sem resposta, acrescentem-se as seguintes: por que o partido não se dispôs de imediato a mostrar sua contabilidade? Por que o presidente não admitiu eventualidade de culpa quando os acontecimentos ainda estavam frescos e ainda não se sabia o rumo que tomariam? Por que, se não há razão para segredo e pede-se agora o fim do sigilo, o governo e o PT consideraram um crime de lesa-pátria a divulgação das fotos do dinheiro, apontando a existência de conspiração?

Por que gente com responsabilidade de transmitir à sociedade informações finge que nada vê, compactua e ainda se desculpa pelo mau jeito?

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