Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 10, 2006

Dora Kramer - Amargo como jiló



O Estado de S. Paulo
10/10/2006

Passado o susto inicial com o tom veemente, para não dizer francamente agressivo, do candidato Geraldo Alckmin no debate da TV Bandeirantes, o bom senso e a memória convidam a uma pausa para reflexão, cuja conclusão é meridiana: não havia razão para surpresas, pois ali estava o mesmo Alckmin que destroçou José Genoino numa disputa para o governo de São Paulo, em 2002, e o obstinado que ganhou de José Serra a indicação do PSDB para disputar a Presidência da República.

Quem subestimou o personagem - e genericamente todos subestimamos, caindo no "conto do chuchu" - deve agora providenciar uma revisão total de conceitos para acompanhar seu desempenho nas próximas três semanas mediante parâmetros mais próximos da realidade. Isso no caso da análise, interpretação e trato da informação política.

No tocante aos políticos propriamente ditos, os adversários viram que Alckmin requer tratamento mais respeitoso no sentido do combate e, portanto, mais rigoroso. Não adianta tratá-lo como um subalterno de Fernando Henrique Cardoso, tentando fazer a luta "mais alta" com o ex-presidente, porque Alckmin pelo visto no terreno do embate é muito mais um aprendiz de Mário Covas: quando bate, usa a força e o sangue-frio para continuar olhando no olho do inimigo.

Os aliados, ou pelo menos a maior parte deles, foram obrigados a recolher suas violas às respectivas sacolas porque o candidato passou ao segundo turno a despeito da má vontade - explícita e implícita - de sua aliança e, seguindo um roteiro absolutamente exasperante para quem queria campanha de alta combustão, guardou energia para a etapa final em que, agora, buscará marcar sua diferença do adversário.

Durante os últimos meses manteve-se obediente ao cardápio de ações que traçou junto com o responsável pela comunicação da campanha - ai incluídos os comportados programas do horário gratuito -, Luiz Gonzales.

Os dois foram intensamente criticados, não se enervaram, avisaram que a "emoção" viria no final e, no domingo, as cartas foram postas na mesa quando Alckmin resolveu chamar Lula às falas.

Sem dúvida agradou muito a seu eleitor. Este há tempos vinha cobrando a necessidade de alguém que fizesse com o presidente-candidato o que ele tinha vontade de fazer.

Há dúvida se Alckmin conseguiu na mesma medida agradar ao eleitor indeciso - logo as pesquisas mostrarão -, mas provavelmente não deve ter agradado nada aos cidadãos que no primeiro turno votaram em Lula. Como estes são bem mais numerosos que aqueles, é precipitada qualquer conclusão a respeito do efeito do desempenho de Alckmin sobre o resultado da eleição.

Inclusive porque ocorrerão vários encontros daqui até o dia da votação e o de domingo foi apenas o primeiro lance de uma guerra em que o adversário (o PT) tem capacidade de reação amplamente comprovada e conta com armas poderosas: a popularidade do presidente, a máquina da administração pública, os brios da militância que podem ter sido despertados pela visão de um Alckmin combativo, a vitimização da figura de Lula.

Mesmo na seara tucana havia ontem quem concordasse com a avaliação dos petistas de que Alckmin abusara do direito de atacar e por diversas vezes passara do ponto, ultrapassando a fronteira que separa a provocação política do ultraje pessoal.

Se Lula preferir a defensiva e vestir o personagem "paz e amor", vai contrariar a persona irritadiça e por vezes ameaçadora que apareceu na tela de milhões no domingo. Tanto pode ser "engolido" por Alckmin como pode também despertar a compaixão e o instinto de preservação daqueles que com ele se identificam.

Se recrudescer no ataque, não intimidará o adversário, mas pode levá-lo por isso mesmo à exorbitância. É uma decisão difícil para a campanha do presidente da República, pois o PT já mostrou como se atrapalha quando acossado. Além disso, o nervosismo maior está do lado de quem joga para defender a manutenção do poder do que de quem não tem nada a perder, só a ganhar.

Para o PSDB, a vitória é um lucro com o qual o partido nunca contou realmente desde que fez a opção pelo candidato reserva. Alckmin, por sua vez, nesta altura dos acontecimentos está com a contabilidade no azul: virou figura nacional, chamou Lula aos costumes em rede de televisão, bateu o mito da invencibilidade e, dentro de seu partido, subiu de patamar.

Perdendo, já ganhou. O que conquistou até agora é suficiente para credenciá-lo a integrar o núcleo de comando tucano que por ele jamais nutriu grande reverência. Para dizer o mínimo e de maneira bastante amena.

Já o PT luta para confirmar a escrita da reeleição como 8 anos de mandato com uma renovação no meio, preservar um projeto de poder de longo prazo - como de resto é o plano de todo partido que chega à Presidência - e manter em pé o espetacular aparelho partidário no qual transformou o aparelho de Estado.

Se não foi um bom negócio para analistas e políticos subestimar Alckmin, convém na mesma medida não menosprezar o vigor de Lula no contra-ataque.

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