O Estado de S. Paulo |
19/10/2006 |
Se as pesquisas de opinião não estiverem absurdamente erradas - e dificilmente estarão nessa proporção da dianteira de 20 pontos porcentuais em favor do presidente Luiz Inácio da Silva -, o Brasil vai continuar com o mesmo governo e a mesma oposição que agora devoram mutuamente os respectivos fígados. Pacto de união nacional, concertação, ou seja lá o nome que o PT dê à trégua que pretende obter dos adversários para governar sem grandes contestações, artifícios políticos dessa natureza estão fora de cogitação vis-à-vis o cenário inteiramente diferente em que, tudo indica, o presidente Lula se reelegerá. Nada nem de longe parecido com ambiente de celebração festiva de outubro de 2002. A crise, pois, está contratada e disso ninguém tem dúvida, muito menos os personagens partidários diretamente envolvidos no embate: PT, PSDB, PFL e suas áreas de influência. A questão a ser examinada é a profundidade, amplitude e, sobretudo, as formas de condução do conflito. Ao governo interessará manejar a vitória para respirar um pouco, conseguir um armistício e engrenar a marcha. À oposição obviamente caberá a continuidade da cobrança da resolução do passivo acumulado, quase todo ele relativo a problemas jurídico-policiais. Estarão ambos em seus papéis, embora cumpra aos dois lados cuidar para que não se percam as referências nem o pé da realidade. O governo, se reeleito for, não poderá esperar como conseqüência uma absolvição liminar aos casos em aberto, sendo o mais recente o do dossiê, cujo financiamento a Polícia Federal ainda investiga. Não poderá pretender impedir a oposição de cobrar, sob o argumento de que a continuidade do embate traduz desrespeito ao resultado eleitoral. Os oposicionistas, de seu lado, tampouco prestarão bons serviços - nem serão bem vistos - se não abrirem algum espaço em suas agendas para outros assuntos do interesse nacional, mesmo que no diapasão da crítica. Observador arguto de conseqüências, o deputado Fernando Gabeira considera da maior e primordial importância o estabelecimento de um programa mínimo de trabalho pelo qual o governo não tente recorrer à truculência nem use dos instrumentos de Estado para barrar investigações e a oposição se comprometa a pesar e medir com equilíbrio os argumentos de defesa, abandonando a lógica eleitoral da criação de fatos políticos. "Se a resolução do caso do dossiê é a preliminar para a administração madura da convivência entre governo e oposição, ele deve ser resolvido o quanto antes, mas mediante um acordo de procedimentos civilizados e democráticos de parte a parte." Na opinião dele, sem isso o País não agüenta e sucumbe ao confronto. À margem As presenças no ato de apoio ao presidente Lula, terça-feira à noite no Rio de Janeiro, e as ausências de artistas ao lado de Alckmin, evidenciam um fato: a classe artística, que participou com seus nomes mais expressivos dos momentos importantes da vida nacional, abriu mão desse exercício de cidadania. O primeiríssimo time - em termos de fama e prestígio - está fora. O tucano recebe votos dispersos, faz reuniões aqui e ali, mas não conta com nenhuma ação coletiva. Lula têm mais gente da categoria entre seus defensores, mas uns o apóiam de maneira envergonhada - como Chico Buarque, que apóia, mas evita a fotografia do apoio -, e outros o fazem de forma desavergonhada, levantando a bandeira do (mau) combate à ética, qualificando-a como valor "conservador". Se as coisas caminham assim é porque os artistas de renome não se sentem confortáveis em nenhuma das candidaturas. É um sintoma do afastamento entre política e sociedade. Grave, quando o setor cultural é o primeiro a pontuar essa distância de maneira tão eloqüente. Pode-se atribuir a eles essa apatia, ou repúdio, mas também não se deve deixar de levar em conta a responsabilidade do mundo político e sua indiferença à elevação da qualidade do exercício da democracia, expresso nas atividades parlamentar e governamental. Com isso, temos hoje um silêncio cultural comparável apenas aos tempos do regime autoritário. Talvez bem pior, por voluntário e carente do sentido de resistência produtiva observado na ditadura. Faz-de-conta O já notório discurso de posse do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello, afirmando a ação democrática, mas contundente, da Justiça Eleitoral nesta eleição, soa agora como bravata diante da decisão de não apenas mandar retirar do site da CBN, mas multar em R$ 21 mil a emissora por veicular comentário de Arnaldo Jabor entendido como ruim para Lula e bom para Alckmin. Considerando que comentaristas emitem opiniões e, estas, por definição, implicam uma posição, senão seriam relatos noticiosos, a Justiça abre com essa decisão um precedente cujas conseqüências não estão sendo devidamente pesadas e medidas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, outubro 19, 2006
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