Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 20, 2006

De bombeiros e pitbulls (por Lucia Hippolito)

De bombeiros e pitbulls (por Lucia Hippolito)

Para o marqueteiro, o dia mais importante de sua vida é o dia da eleição. Para chegar até ali, ele se mata de trabalhar, tem cinco idéias por minuto, gasta uma fortuna com o visual do candidato ou da candidata. Um lesco-lesco danado. Atualmente, até do botox e da lipoaspiração ele cuida. Uma loucura!


Depois da embalagem, o conteúdo. As pegadinhas, os bordões, os temas espinhosos para o adversário, o bate-boca, a pancadaria, o vale-tudo.


O dó de peito é o programa na TV. Todas as boas idéias são submetidas a pesquisas qualitativas para sondar o humor do eleitorado. O que será que o povo do Nordeste quer ouvir? E a turma do Sudeste? O discurso pode ser o mesmo?


E lá se vai o candidato a posar com criancinhas no colo, a comer “maionese cívica” num calorão de fritar ovo no asfalto, a vestir bonés e camisetas as mais variadas.


Mas nada disso importa para o marqueteiro. Ele reina soberano até as urnas serem abertas, indiferente à quantidade de cadáveres que possa deixar pelo caminho.


Se ganhar a eleição, tomba exausto, sai de férias, e depois abocanha uma ou duas gordas contas publicitárias no novo governo. Se perder, lamenta muito, mas mesmo assim sai ganhando, porque o candidato lhe arranja algum trabalho num governo amigo. Nem todos são assim, é claro. Há exceções.


Acontece que, para o marqueteiro, a guerra termina no dia da eleição. Porque a partir dali começa o reinado da política, da articulação, das composições.


É tempo de recolher os feridos do caminho, montar alianças, tratar da governabilidade.


Por isso mesmo é que existem os militantes, os pitbulls, os incendiários. Mas precisam existir também os bombeiros, que mantêm os canais de comunicação com o grupo adversário.


Afinal, na política democrática, uma eleição é uma eleição, não uma guerra. Não se pode exterminar o adversário, transformando-o em inimigo.


Assim, o xingo, o bate-boca, a pancadaria ficam muito bem no pessoal da campanha, nos pitbulls que existem em todos os partidos. Mas algumas vozes mais sensatas precisam ser preservadas para o dia seguinte. Não se pode confundir os papéis de uns e de outros. Caso contrário, é encontro marcado com a encrenca.


Os presidentes do PSDB e do PFL podem sair atirando pedras no presidente Lula, mas os governadores de Minas e de São Paulo precisam preservar espaços de negociação.


Assim também, os presidentes do PT e do PSB podem acusar o ex-governador Geraldo Alckmin das piores intenções, mas o ministro das Relações Institucionais não pode sair por aí dizendo o que vem dizendo.


Primeiro, o ministro declarava que procuraria todos os partidos de oposição para construir uma grande “concertación”. Agora acusa Geraldo Alckmin de ter um lado Pinochet.


Francamente, o ministro Tarso Genro precisa escolher quais dos Chiles ele prefere.


Alguém que é ministro das Relações Institucionais, alguém que está construindo uma candidatura à sucessão do presidente Lula não pode se comportar como um pitbull.


Afinal, se, ao que tudo indica, o presidente for reeleito no dia 29, com quem ele poderá contar para estender as pontes do entendimento em direção à oposição? Não há de ser com os antigos comissários petistas, todos eles enrolados com denúncias do procurador-geral da República.


Ou Tarso Genro é ministro da articulação política e candidato a suceder Lula e, portanto, deve se comportar como bombeiro, ou escolhe de vez o lado da militância cega e desiste de um futuro mais promissor.


Não dá para desempenhar os dois papéis. Periga ser canastrão nos dois.

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