Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 24, 2006

Celso Ming - Nobel para a Wal-Mart

Celso Ming - Nobel para a Wal-Mart


O Estado de S. Paulo
24/10/2006

Um grande supermercado consegue reduzir a pobreza no mundo?

Dia 17, o New York Times publicou artigo instigante do colunista John Tierney. Para ele, a rede norte-americana Wal-Mart reúne mais predicados para merecer o Prêmio Nobel da Paz deste ano do que o festejado Grameen Bank, que hoje se dedica a conceder US$ 800 milhões anuais em microcréditos a 6,7 milhões de pobres de Bangladesh.

O principal argumento pelo qual a Real Academia de Oslo concedeu o Prêmio Nobel ao professor de Economia Muhammad Yunus e a seu banco foi o de que sua atuação tem contribuído para que milhões de pessoas saiam da faixa de pobreza, que, pelos critérios do Banco Mundial, significa um salário diário abaixo de US$ 1. É um dinheiro emprestado, em princípio, não para compra de bens de consumo, mas para financiar pequenos empreendimentos. Vai para uma dona de casa que compra umas galinhas para produção de ovos que depois vende a conhecidos; para uma cabeleireira que compra um novo secador de cabelos; ou vai servir para que um amolador de tesouras e facas tenha um novo equipamento.

A Wal-Mart fatura US$ 312 bilhões por ano e emprega 1,8 milhão de funcionários. Dedica-se nos Estados Unidos a buscar pelo mundo inteiro a mercadoria mais barata para revendê-la pelo menor preço. É conhecida por disseminar produtos asiáticos (e não apenas chineses) a uma fração do preço antes cobrado no varejo americano.

Nessas condições, a rede está contribuindo para criar e manter milhares de empregos ao redor do mundo. E o que é melhor para efeito de combate à pobreza, pergunta Tierney: um emprego numa indústria ou uma viração (como produção e venda de ovos a amigos) proporcionada por um microcrédito?

Essa posição contém alto grau de provocação na medida em que a Wal-Mart é um dos maiores alvos tanto dos sindicatos americanos dos empregados no varejo como das entidades representativas do comércio. Os sindicalistas acusam a Wal-Mart de achatar salários, de não pagar seguro-saúde, de impor regimes parciais de trabalho a seus funcionários. Um estudo feito pela Universidade Berkeley citado no documentário exibido no ano passado nos Estados Unidos concluiu que, somente com salários mais baixos a seus funcionários, a Wal-Mart tira US$ 3 bilhões por ano do mercado varejista americano.

Os comerciantes apresentam broncas de outra ordem. Queixam-se de que a inauguração de uma loja Wal-Mart em qualquer cidade provoca uma enorme mortandade de pequenos negócios que não mais conseguem competir diante de preços tão predatórios. Como cada lojinha dessas emprega, em média, quatro ou cinco funcionários, o fechamento desse comércio também implica enorme destruição de postos de trabalho.

Os homens da Wal-Mart têm respostas na ponta da língua para essas acusações. Argumentam que produtos a preços muito mais baixos, como podem ser encontrados nas prateleiras dos seus supermercados, deixam sobras de poder aquisitivo para o trabalhador. Isso significa valorização do salário do consumidor, e não o contrário.

Dizem, também, que grande parte dos seus próprios funcionários não teria onde trabalhar se não aceitasse o emprego na Wal-Mart. E que os sindicatos estão mais interessados em defender os salários de quem já está empregado (e sindicalizado) do que de quem mais precisa trabalhar.

A questão é mais profunda. Não reflete apenas uma estratégia empresarial de um grande grupo econômico.

O maior impacto do atual processo de globalização é o achatamento de salários ao redor do mundo. Os sindicatos dos trabalhadores da Alemanha, por exemplo, estão se sujeitando a reduzir seus salários e a abrir mão de direitos trabalhistas se isso evitar a transferência de fábricas para a Ásia ou para a Europa Oriental. Enquanto isso, apenas a China vai incorporando a cada ano nada menos que 35 milhões a 40 milhões de excluídos (o equivalente a uma Argentina) ao mercado global de trabalho.

Sexta-feira, o Financial Times apontou os cálculos do economista Richard Freeman, da Universidade de Harvard, de que somente a entrada da China, da Índia e do antigo bloco soviético na economia global dobrou o número de trabalhadores no mundo para a atual cifra de 3 bilhões de pessoas.

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