Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 20, 2006

Celso Ming - Montanha trilionária (2)



O Estado de S. Paulo
20/10/2006

Ontem, esta coluna tratou das razões pelas quais a formação de reservas externas pela China, que nesta semana devem ter alcançado US$ 1 trilhão, não vem tendo impacto inflacionário. Hoje, vai examinar que destino o governo de Beijing poderá dar a essas reservas e até onde poderão chegar.

A hipótese do uso dessas reservas como arma num eventual confronto com os Estados Unidos deve ser descartada, como ontem ficou aqui explicado. Seria suicídio econômico.

Não é segredo que o vice-presidente chinês Zeng Qinghong (foto) defende a utilização crescente de reservas para garantir o suprimento de matérias-primas, o fator escasso no seu modelo de desenvolvimento. Em toda parte os chineses têm feito tentativas nessa direção. Aparentemente, os acordos não estão saindo porque os chineses fazem questão de prazos longos e de transferência das matérias-primas a preço fixo. Os atuais produtores aparentemente apostam em que a crescente demanda por commodities puxará as cotações e não querem fechar contratos de longo prazo a preço fixo. Esse jogo sugere que a China terá dificuldades em cumprir essa estratégia. Mas algum sucesso vai conseguindo, sobretudo na África.

Independentemente disso, é preciso saber até que altura subirá a montanha trilionária. Ao ritmo de US$ 20 bilhões por mês, como hoje, deverá dobrar em pouco mais de quatro anos.

A sabedoria dos banqueiros centrais acumulada até os anos 60 dizia que todo país de moeda não conversível devesse manter reservas em moeda estrangeira que cobrissem três meses de importação. A idéia era ter uma gordura para uso nos períodos de crise ou de queda dos preços de exportações ou, ainda, de choque de preços de produtos importados, como petróleo. A partir dos anos 80 se viu que uma crise cambial não se enfrenta apenas com uma cobertura a necessidades comerciais, porque uma fuga de capitais, que se desse unicamente no campo financeiro, poderia ser mais desastrosa.

Ninguém hoje sabe qual é o nível ideal de reservas de uma economia. Aparentemente, só se percebe esse limite depois de alcançado. Daria para estender esse critério, um tanto subjetivo, também para a China?

O volume de reservas da China alcança hoje o equivalente a 14 meses de importação ou 6 vezes sua dívida de curto prazo. Como cumprem outras funções não inteiramente conhecidas, não há como fundamentar esses cálculos. Mas é preciso levar em conta o potencial inflacionário que sobreviria da compra de reservas, como examinado na coluna de ontem. Quando terminar a operação de saneamento da rede bancária, será inevitável que o enxugamento monetário da China terá de ser feito com aumento do endividamento - ou não será feito, o que produzirá inflação. Isso ao menos mostra que o limite existe. Só não sabemos qual é. Provavelmente nem as autoridades chinesas sabem.

Se as relações econômicas entre Estados Unidos e China são tão simbióticas e se o resultado dessas relações é a formação dessas reservas, a chegada ao limite exigirá novo ajuste e novos arranjos.

Os especialistas se dividem entre aqueles que entendem que isso se fará com uma enorme trombada (hard landing) e aqueles que apostam no ajuste suave (soft landing). Quando o mercado fica nervoso e derruba as cotações dos ativos, é porque passou a dar razão à turma do hard landing. Quando fica zen, como nas duas últimas semanas, é porque está mais para o soft landing.

O caminho da suavidade prevê lenta desvalorização tanto do dólar como do yuan para que a longo prazo se reduzam os déficits americanos (o comercial e o orçamentário) e caia o superávit comercial chinês.

O diabo é que isso não é tudo. Sobra dinheiro no mundo porque um dos efeitos da globalização é a derrubada internacional da inflação, os bancos centrais não têm o que combater e despejam dinheiro demais nos mercados. Pelo fator procura, a enorme compra de títulos do Tesouro de países ricos também está derrubando os juros de longo prazo. O dinheiro farto, por sua vez, vai sendo despejado em commodities, dólares, ouro, títulos de dívida (de países ricos e países emergentes), criam-se bolhas - e o sistema ainda não sabe como lidar com isso.

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