Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 10, 2006

Celso Ming - Correção de curva




O Estado de S. Paulo
10/10/2006

São Paulo fica a 11 mil km de distância de Estocolmo, a capital da Suécia, mas dois fatos ocorridos domingo e ontem nessas duas cidades têm alguma relação entre si.

Domingo, em São Paulo, houve o primeiro debate pelo segundo turno entre os candidatos à Presidência da República. Além das hostilidades recíprocas, foi um encontro que deixou evidente a necessidade de debates sobre um programa de governo. E se há alguma coisa a ser debatida é como garantir crescimento econômico, aumento do emprego e, ao mesmo tempo, controle de inflação.

Ontem, em Estocolmo, a Real Academia Sueca de Ciências conferiu ao professor Edmund Phelps (foto) o Prêmio Nobel de Economia deste ano. Phelps foi reconhecido por ter demonstrado na década de 60 que há outras variáveis que interferem na relação entre inflação e crescimento econômico.

Melhor explicando, até os anos 60, os economistas estavam fortemente influenciados pela chamada curva de Phillips, dispositivo construído pelo economista neozelandês Alban William Phillips.

Muito simplificadamente, essa curva de Phillips estabelece uma relação de mútuo comprometimento (tradeoff) entre duas variáveis da economia: inflação e emprego.

Uma das conclusões dessa curva é a de que a expansão do emprego se faz à custa de mais inflação. Ou então, o controle da inflação só é obtido por meio do aumento do desemprego.

A formação econômica das esquerdas brasileiras foi tremendamente influenciada pela curva de Phillips, o que levou um grande número de economistas comprometidos com o desenvolvimento (e não só das esquerdas) a afirmar categoricamente que não havia jeito de garantir a expansão do emprego sem pagar seu preço em inflação. O Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek levou em conta esse custo.

Ainda hoje, a grande discussão sobre política econômica no País, no fundo continua prisioneira da curva de Phillips.

Confira, por exemplo, as seguintes afirmações: (1) o importante é o crescimento econômico, nem que isso provoque uma inflaçãozinha; (2) o Banco Central deveria ter dois mandatos, deveria não só cuidar de derrubar a inflação, mas deveria também cuidar da expansão do emprego; (3) a diretoria do Banco Central é excessivamente ortodoxa, só pensa em derrubar a inflação e não está nem um pouco interessada no desenvolvimento econômico; e (4) além de ter uma autoridade monetária, o País deveria ter uma autoridade produtiva (esta última, insistente afirmação do presidente da Fiesp, Paulo Skaf).

O que essas quatro afirmações têm em comum é que levam em conta a suposta incompatibilidade entre combate à inflação e crescimento econômico, relação determinista ligada à curva de Phillips.

Phelps demonstrou que é preciso corrigir essa curva com elementos relacionados com o agito de corações e mentes até então desconsiderados.

Ontem, no comunicado de concessão do Prêmio Nobel, a Real Academia Sueca assim resumiu a contribuição de Phelps para a teoria econômica: "Ele reconheceu que a inflação não depende apenas do desemprego, mas também das expectativas das empresas e dos empregadores sobre aumento de preços e salários. (...) Mostrou também que há uma taxa de equilíbrio do desemprego levada em conta pelas empresas na contratação dos salários dos funcionários. (...) Essas descobertas influenciaram os bancos centrais nas decisões sobre a definição dos juros" (tradução livre).

E essa é também a principal razão pela qual os bancos centrais entenderam que a coordenação das expectativas do mercado é essencial para a eficácia da política de juros. É para aferir o que pensa o mercado, de modo a melhor conduzir o processo, que o Banco Central do Brasil faz um levantamento semanal das principais expectativas de 100 entre os principais agentes econômicos do País (instituições financeiras, empresas, consultorias).

Phelps e outros depois dele demonstraram ainda que a expectativa de uma baixa inflação ajuda a formar a expectativa de baixa inflação também no futuro e que, no ambiente em que é percebida uma maior estabilidade, fica mais fácil induzir políticas que favoreçam a criação de empregos.

Enfim, se o crescimento econômico comparecer aos próximos debates entre Lula e Alckmin, Phelps poderá estar por trás de certos argumentos.

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