Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, maio 20, 2008

Cofrinho e poupança Ilan Goldfajn

Na semana passada, o governo mostrou o seu ''cofrinho'' para a sociedade. Só não mostrou a poupança. No anúncio da criação do fundo soberano, o ministro da Fazenda explicou: ''É como um cofrinho. Você tem o seu salário e faz as suas despesas. No fim do mês, o que sobrar vai ser colocado em um cofrinho.'' Só que o governo revelou que não vai comprometer-se com superávits fiscais para encher o cofrinho. Na realidade, a seqüência de anúncios ao longo da semana revela o contrário: o governo articula recriar a CPMF para gastar mais R$ 8 bilhões, publicou um decreto que eleva em R$ 7,5 bilhões os já altos gastos com pessoal, anunciou a política industrial, que equivale a uma renúncia fiscal de R$ 21,4 bilhões, até 2011 (sem entrar nos méritos), e, agora, parece querer resolver o recente problema inflacionário do Brasil também com mais gastos - subsídio à gasolina, ao trigo, etc. Só que o combate à inflação requer menos gastos, não mais.

Na sua essência, o fundo soberano é um mecanismo para adquirir dólares no Brasil para financiar projetos de empresas brasileiras no exterior. Há várias questões:

Por que é necessário criar um fundo soberano para adquirir dólares além do que o Banco Central do Brasil (BC) já faz há vários anos?

De onde virão os recursos para o fundo soberano adquirir os dólares (cadê a poupança)?

Por que é prioridade financiar a expansão de empresas no exterior?

O fundo soberano vai alterar a cotação do real?

Infelizmente, não parece haver respostas boas para as perguntas acima:

Em primeiro lugar, poderíamos imaginar que o novo fundo soberano aplicaria em ativos mais rentáveis que o BC. Este vem adquirindo dólares no mercado e, com eles, gerando um colchão de segurança que, entre outros fatores, contribuiu para a obtenção do grau de investimento pelo Brasil. Esses dólares são aplicados em ativos e líquidos que, por sua natureza, têm rendimentos baixos. Não é o caso do novo fundo soberano do Brasil: o financiamento a empresas brasileiras no exterior será feito a taxas subsidiadas e baixas.

Em segundo lugar, o governo não se comprometeu com novos recursos para o fundo soberano. Em outros países do mundo se criaram fundos soberanos para acumular a riqueza gerada pelo país - petróleo, cobre, etc. -, para não gastá-la no presente e permitir um melhor padrão de vida no futuro. São vários exemplos: fundo de petróleo da Noruega ou de Dubai, fundo do cobre no Chile, ou o fundo mais genérico, de Cingapura. Esses fundos adquirem dólares que entram no país, usando para isso os recursos do superávit do governo. Eles são mais do que cofrinhos, são verdadeiras caixas-fortes. No Brasil, em vez de usar superávits nas contas do governo, o fundo soberano vai se endividar em reais para comprar em dólares. Ou seja, o fundo vai pagar juros altos para aplicar em juros baixos e subsidiados.

Em terceiro lugar, não há razão alguma para que a política econômica dê prioridade a subsidiar as nossas maiores empresas para investir no exterior. Em geral, fundos soberanos adquirem ativos de outros países, como manda a boa regra de diversificação. Não é o caso do fundo soberano do Brasil que, politicamente, deseja financiar empresas brasileiras. Sendo assim, a única razão para financiar a expansão de empresas no exterior é que qualquer outro desenho traria de volta os dólares para o Brasil, o que desfaz o objetivo inicial do fundo.

Finalmente, é duvidoso que a compra de dólares venha a alterar a taxa de câmbio no Brasil de forma significativa, já que os fundamentos macroeconômicos permanecem inalterados (expansão de gastos do governo, produtividade da economia, etc.).

O preocupante é que, mesmo com a criação do fundo soberano e a receita surpreendendo positivamente, o governo não foi capaz de se comprometer com uma meta de superávit maior. Os anúncios subseqüentes de aumentos de gastos e a tentativa de recriar a CPMF indicam que nada muda na atual política econômica. A política monetária é a única responsável por controlar a inflação, e o resto, inclusive a política fiscal, continuam fortemente expansionistas.

O interessante é que o instinto gastador é tal que se usam recursos até mesmo com o intuito de debelar a inflação crescente. O governo reduziu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para compensar o aumento da gasolina e abriu mão do PIS-Cofins na importação de trigo. No médio prazo, esses esforços são inócuos, já que a demanda por esses produtos é reforçada pelos subsídios, principalmente num contexto de economia doméstica e mundial aquecida. O lamentável é que já se escutam chamados para fiscalizar postos de gasolina e preços da farinha. Assim como no caso extremo de congelamento, esse tipo de fiscalização não funciona, como tem sido demonstrado novamente no caso recente da Argentina.

Em suma, estamos ainda longe do tempo em que a incapacidade da sociedade para controlar as despesas do governo desembocava numa inflação descontrolada e cuja solução era invariavelmente associada a controles de preços e fiscalização da sociedade (quem ainda se lembra dos fiscais do Sarney?). Mas, num período em que a inflação no Brasil está tendo um repique e precisa ser debelada, é triste ver os velhos instintos de volta - subsídios e fiscalização de preços, em vez de controle e responsabilidade na expansão das despesas. Especula-se que, dados o recrudescimento da inflação e a reação negativa ao anúncio do fundo soberano, o governo venha a anunciar uma meta mais elevada de superávit primário. Será? Seria um passo importante na direção correta.

Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio. E-mail: igoldfajn@cianoinvest.com.br

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