O economista americano Thomas Trebat acha que o consumidor está na frente dos economistas dos bancos, dos políticos, e até do Fed na avaliação do risco que a economia dos Estados Unidos corre neste momento e, por isso, está cortando o consumo. Trebat lembra que o bolso das pessoas está fortemente atingido pelo aumento do custo do aquecimento neste inverno. O corte de juros não vai adiantar muito, segundo Tom.
Trebat trabalhou no Citibank e hoje é professor da Universidade de Columbia.
Distante do mercado, apesar de conhecê-lo, não fica prisioneiro da tendência no mercado de excesso de otimismo, o chamado wishful thinking (mais desejo que razão).
— O que houve é que o sistema de cálculo de risco não está funcionando; estamos sendo derrotados pelo excesso de otimismo — diz ele.
Agora os analistas estão confiantes na queda das taxas de juros a ser anunciada pelo Fed, e Tom acha que isso pode ser ineficiente.
— O Fed tentará aumentar a liquidez, enquanto os bancos com prejuízos estão fazendo o oposto. O Citi anunciou que está havendo um aumento do calote todos os meses em todas as áreas, além da imobiliária.
Assim, por prudência, está cortando a concessão de cartão de crédito, de empréstimo para carro. Ou seja, está cortando liquidez.
A crise tem sido relatada apenas pelo aspecto financeiro: — Essas perdas são históricas.
Nunca tivemos tanto sangue nos balanços das empresas desde os anos 80.
E haverá outras perdas no decorrer de 2008. Estamos em território não explorado — afirmou.
Ele alerta também para outra dimensão mais doméstica — e sazonal — da crise: — O americano médio está gastando uma fortuna para se aquecer neste inverno.
O aquecimento das casas é feito com gás natural, que subiu muito, e derivados de petróleo, que subiram demais.
Está sendo um golpe no bolso do consumidor.
Lá, a cotação internacional é repassada imediatamente para o preço. Isso tira renda do consumidor, que já perdeu renda com a alta dos custos dos financiamentos, com a alta dos preços dos alimentos e a perda de crédito.
Tom acha que a crise não é sentida igualmente em todo o país, mas que os estados que sentem mais fortemente são Michigan — e por isso, dos eleitores ouvidos lá, 51% disseram que a economia é o assunto mais importante desta campanha —, Flórida, Califórnia, Arizona e Illinois. Ele vê como ociosa a discussão se os Estados Unidos estão tecnicamente numa recessão.
— Isso não interessa tanto.
O importante é que as pessoas estão sentindo as dores de uma recessão. Enquanto isso, nosso presidente está na Arábia Saudita ganhando cavalos de raça e pedras preciosas.
Acho que está mais alienado que o George Bush, o pai, em 1992.
A crise dá vantagem aos democratas. Mesmo assim, os programas oferecidos pelos diversos candidatos para reverter a situação econômica são tímidos.
— Hillary está propondo congelar as prestações da casa própria para não ampliar a onda de calotes. Tem candidato propondo pacote de US$ 75 bilhões, outro de US$ 70 bilhões e, só com o impacto do aumento do combustível e do custo da energia, já se tem um volume de US$ 150 bilhões.
Esses pacotes, mesmo se implementados a curto prazo, deixariam a economia na linha d’água. O Fed está atrasado; os políticos, atrasados; e o governo, com seu pacote de estímulo, está muito atrasado.
Perguntei a Tom Trebat, que é especialista em economia brasileira e hoje dirige o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia, se ele acredita que a economia mundial conseguirá não ser atingida por uma recessão americana, como têm sustentado economistas do mercado financeiro, com a tese do “descasamento” dos mercados desenvolvido e emergente.
— Isso é, como diria Bill Clinton, um conto de fadas.
Tom acha que, apesar de todas as boas notícias, o Brasil é hoje muito mais globalizado do que já foi no passado, e isso funciona nas duas direções: aproveitamse as vantagens da globalização, e enfrentam-se também as dores da globalização.
— O Brasil é superavitário no comércio, mas repare que os setores que produzem esse superávit são poucos; está muito concentrado. É uma minoria de empresas. Há um grande número de empresas fragilizadas. O Brasil ainda é dependente do fluxo de fora, porque tem uma poupança muito baixa. Com essa perda de crédito, vai sobrar para todos os tomadores de crédito.
O superávit comercial parou de crescer, e as exportações estão aumentando num ritmo menor. O país pode ser atingido pela queda do preço das commodities.
Há uma onda de revisão para baixo das perspectivas de crescimento da Europa, e a Índia, que tem sido “uma máquina de gerar emprego”, está demitindo nos últimos dias. Tom Trebat acha que os analistas de mercado estão, em sua maioria, ou tentando ver a realidade através de óculos cor-de-rosa, ou estão prevendo o futuro com os olhos no espelho retrovisor.
Na visão dele, a situação econômica americana está mais difícil do que aparece na maioria das análises.
Entrevista:O Estado inteligente
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