O leitor Octavio Almeida de Souza indaga se não me parece que o sociólogo Luiz Eduardo Soares, quando defende um programa de anistia para os envolvidos no crime organizado no Rio de Janeiro, e o presidente Hugo Chávez, da Venezuela, quando propõe que as Farc não sejam classificadas como terroristas, não estão fazendo propostas semelhantes, ou pelo menos aproximáveis.
Sobre a mesma proposta, Alfredo Sirkis, do Partido Verde do Rio, acha que sugestões de “negociação” e de “anistia” podem se moldar a outros conflitos, onde há hierarquias estáveis, como em Bogotá e em Medellín.
A diferença, segundo Sirkis, é que lá o grande confronto era com os cartéis, no atacado, “e nisso não houve negociação”.
Nas favelas não havia, como aqui, a presença de um narcovarejo com controle territorial, diz ele, lembrando que esse controle era exercido por grupos de sicários que basicamente vendiam proteção, como as milícias ou “mineiras” daqui.
Sirkis diz que o governo colombiano, de fato, conseguiu desmobilizar e neutralizar parte desses grupos pela negociação, mas duvida que o mesmo método se aplique ao narcovarejo, “um fenômeno estável enquanto modo de vida e cultura, mas efêmero e descartável como quadrilhas específicas.
São exterminadas e ressurgem como as cabeças da Hidra de Lerna cevadas por uma economia e uma cultura que as estimulam”.
Antes de dar a palavra a Luiz Eduardo Soares, gostaria de reafirmar o que já escrevi aqui em várias ocasiões: “O fato é que não existe nenhum tipo de justificativa para apoiar um movimento guerrilheiro que é ilegal várias vezes: está montado contra um governo eleito democraticamente, pratica o seqüestro de cidadãos como moeda política e aliou-se aos traficantes de cocaína para financiarse”. (…) “Se a libertação das duas reféns for um passo inicial para a integração das Farc ao sistema democrático vigente na Colômbia, na forma de um partido político institucionalizado, teremos uma evolução positiva do quadro. É improvável que isso aconteça, no entanto, pelo envolvimento com o narcotráfico”.
Soares, professor da Uerj e da ESPM e secretário do governo petista de Nova Iguaçu, concorda basicamente com minha posição e lembra, como o próprio presidente Álvaro Uribe admitiu, que “se as Farc apresentarem uma proposta de negociação, dispondo-se a abandonar o terror, aceitar a legalidade constitucional do Estado Democrático de Direito, admitir o jogo democrático, respeitar a vontade popular expressa em eleições livres e limpas, ingressar no universo político como um partido comprometido com as instituições, então, nesse caso, poderia reivindicar e o governo colombiano poderia aceitar uma anistia para seus membros e a redefinição de seu status legal”.
Ele ressalta que “a Colômbia vem adotando posições flexíveis e criativas, no que diz respeito à reintegração de indivíduos e grupos ligados à violência armada (milicianos, paramilitares e guerrilheiros), à cidadania e à legalidade, através do recurso a programas que envolvem desmobilização e desarmamento, anistia, reinserção no mercado de trabalho, na escola, na comunidade, e acesso a apoio financeiro por períodos previamente fixados”, como ele propõe seja feito no Rio, proposta exposta na coluna de terça-feira passada com o título “Anistia polêmica”.
A Colômbia entendeu, segundo ele, que “é melhor construir a paz e a justiça do que punir, manter a criminalização, responsabilizar os terroristas pelos horrores perpetrados. A opção foi olhar para o futuro, não para o passado, e criar as condições para que o futuro seja diferente, ou seja, se liberte do passado, não permaneça prisioneiro do passado”.
Soares diz que “é preciso compreender que, na guerra e na política, quando não se deixa ao inimigo/adversário uma saída viável, sua tendência é a radicalização, porque não lhe resta nada senão intensificar a violência e lutar até o fim.
Quando se abre uma porta, outras opções emergem”.
Falando sobre o envolvimento de jovens na violência armada, lá como cá, Soares pergunta: “O que está em questão é apenas seu desvio de conduta, ou é também a responsabilidade da família, da comunidade, do conjunto da sociedade, do Estado?”. Embora ressalve que a responsabilização conjunta da sociedade “não pode ser desculpa para impunidade, nem justificativa para a relativização da barbárie”, ele diz que é um ponto “que não pode ser omitido e tem de ser incluído na equação”.
Para Soares, “faz sentido afirmar que, quando perdoamos, estamos nos incluindo entre os beneficiários desse gesto, nos dando uma segunda oportunidade, para que sejamos uma a sociedade um pouco melhor, menos negligente e injusta”. Ele cita a experiência das Escolas de Perdão e Reconciliação da Colômbia, sob a liderança do Padre Leonel Narvaez, “amplamente reconhecido pelo governo e pela sociedade civil colombianos, e por entidades internacionais”.
Segundo o sociólogo, as “ESPERE”, que atuam de maneira ainda limitada no Brasil, especialmente no Rio, oferecem a vítimas a oportunidade de elaborar sua dor, contrapondo, como diz Leonel, “a irracionalidade do perdão à irracionalidade da violência”. E aos perpetradores, “a oportunidade de tomar plena consciência de seus crimes e suas conseqüências para as vítimas diretas e indiretas, abrindo-lhes portas para a reconciliação com sua própria humanidade alienada, com as vítimas e com a sociedade”.
Em meio ao tiroteio, real e figurado, em que vivemos, essa visão humanista não pode ser deixada de lado, junto com a reforma das polícias e a reestruturação de nosso sistema repressivo-penal.
Entrevista:O Estado inteligente
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