Com a confirmação de que é mesmo Emmanuel o menino que está em um orfanato oficial em Bogotá, fica desmascarada a farsa montada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que mais uma vez anunciaram uma negociação para soltar reféns e não cumpriram os acordos. Não deveria ser surpresa para ninguém, pois o histórico da narcoguerrilha é de não ter compromissos, jogando politicamente com a vida dos seus reféns. Mas, assumindo como uma operação institucional o que não passava de uma farsa, e sobretudo tratando o grupo guerrilheiro como uma força política legal, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, procurava ao mesmo tempo desmoralizar o presidente colombiano, Alvaro Uribe, e fortalecer-se como um canal de negociação eficiente diante da França.
O problema, para Chávez, é que as Farc mostraram-se um aliado não confiável, o que aumenta o seu desgaste internacional. Na ânsia de se sobressair no episódio, Chávez mudou até mesmo o nome da operação, batizando-a de “Emmanuel”, quando as Farc já sabiam que o menino não estava mais em seu poder.
Pode ser que tenha feito isso sem combinar com os guerrilheiros, no seu estilo fanfarrão. Sabe-se agora que os guerrilheiros tentaram recuperar o menino no orfanato, o que não conseguiram.
A farsa guerrilheira começou a ser desmontada quando um comunicado das Farc “advertiu” para a possibilidade de o exame de DNA ser falsificado por especialistas americanos. Era óbvio, mesmo antes dos exames, que o pequeno Emmanuel estava em Bogotá, pois caso contrário a guerrilha poderia divulgar uma foto dele com a mãe e acabar com a controvérsia.
Agora, as Farc admitem que a criança é realmente Emmanuel e partem para acusar a Colômbia de tê-lo seqüestrado para inviabilizar a libertação dos reféns. Um samba do crioulo doido nas selvas colombianas, coadjuvado por um fanfarrão como Chávez.
Que o governo francês tenha participado do que se revelou uma aventura é natural, pois está em jogo a vida de uma cidadã francesa, a senadora Ingrid Betancourt. Mas é indesculpável que o Brasil tenha embarcado nessa aventura chavista. Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da UFRJ, destaca que “isto mostra como o Brasil não tem um serviço de inteligência, no sentido de informação qualificada. A Agência Brasileira de Informações (Abin) não poderia ter permitido que um alto funcionário do governo brasileiro se envolvesse nisso sem uma informação prévia de qualidade”.
Para Francisco Carlos, a Abin falhou enormemente, em dois sentidos. “Não tinha uma inteligência autônoma na Venezuela e na Colômbia, e fracassou em obter dos amigos americanos um aviso qualquer nessa direção”. Como a Abin é muito próxima das agências americanas e a Colômbia já sabia que o menino provavelmente não estava mais com os guerrilheiros, uma informação sobre esta forte possibilidade poderia ter sido conseguida. Mesmo em Vila Vicenzio, o presidente colombiano Uribe telefonou várias vezes para o presidente americano, George W. Bush, que estava acompanhando tudo, em pânico de que Chávez tivesse êxito nesse jogo de relações públicas no 31 de dezembro.
O histórico das negociações das Farc é vasto em frustrações desde 2002, quando foi seqüestrada a senadora colombiana Ingrid Betancourt, que também tem a nacionalidade francesa (seu primeiro marido é francês e seus filhos nasceram na França). Naquele ano houve várias tentativas de acordo com apoio da França, inclusive a desmilitarização, em dezembro, de três áreas (departamentos), a mesma exigência que está sendo feita agora. Negociadores da guerrilha chegaram a firmar com o governo francês um acordo e um avião francês pousou em Manaus numa operação secreta para o resgate, que não se consumou.
A mesma situação se repetiu em 2004, quando o governo Uribe libertou vários guerrilheiros, as negociações para a libertação de Ingrid Betancourt continuaram até o final de 2005 e até uma comissão foi formada por representantes dos governos da França, Espanha e Suíça.
No início de 2006, as Farc romperam as negociações alegando que elas só serviriam para fortalecer a candidatura à reeleição de Alvaro Uribe, que de fato foi reeleito em maio daquele ano.
No mês seguinte, o renovado governo colombiano libertou cerca de 120 guerrilheiros, entre eles o chamado “chanceler” das Farc, Rodrigo Granda, e propôs negociações de paz, recusadas pelos narcoguerrilheiros, que em 17 de agosto apontaram o presidente da Venezuela e aliado Hugo Chávez como negociador confiável.
O fracasso das tratativas fará com que a situação de confronto se agrave, e o anúncio de uma ofensiva da guerrilha corresponde a essa necessidade de enfraquecer o governo de Alvaro Uribe, fortalecido pelos últimos acontecimentos.
As Farc têm um exército de 12 mil homens bem armados e treinados e, para o professor Francisco Carlos Teixeira, não corresponde à realidade a informação de que a guerrilha estaria enfraquecida, tendo perdido grande número de participantes nos últimos anos. Uma prova seria que o Exército colombiano não quis fazer nenhuma ofensiva de grande envergadura até agora, temendo uma derrota em um confronto direto, o que seria uma derrota do Estado colombiano.
Há também, como dificuldade adicional para uma ação mais direta, o fato de que a guerrilha está envolvida por populações civis nos territórios ocupados e de que haveria um banho de sangue inevitável. Mais eficiente do que um confronto direto é uma ação de desmoralização das Farc, o que ocorre sempre que desastradas operações, como a da semana passada, são montadas. Seria bom que o governo brasileiro se acautelasse nas próximas aventuras chavistas. O “annus horribilis” de Chávez não acaba nunca.
Entrevista:O Estado inteligente
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