Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

Internet Microcrédito e filantropia democratizados na rede

O Orkut da filantropia

Site se inspira na rede de relacionamentos
para financiar pequenos empreendedores


Naiara Magalhães

Reuters
Página do Kiva na internet e o ex-presidente Bill Clinton:
elogios ao pioneirismo do projeto

Há dezessete anos a equatoriana Alexandra Castro ganha a vida vendendo frutas em uma barraca na cidade de Guaiaquil. Começou ajudando os pais e hoje sustenta três filhos. Em 2006, a feirante deu um passo importante em seu negócio. Tomou um empréstimo de 925 dólares e, com o dinheiro, passou a comprar mercadorias no atacado, a preços mais baixos. Com a operação, aumentou a margem de lucro. Depois do impulso inicial, foi possível dar outro passo. Hoje, além de vender frutas, Alexandra as distribui a outros comerciantes. O pequeno financiamento que melhorou seus negócios não veio de uma instituição bancária tradicional, onde os mecanismos para a concessão de crédito são repletos de filtros. Alexandra cadastrou-se no Kiva, o primeiro site de relacionamentos a possibilitar que empreendedores de baixa renda encontrem pessoas ao redor do mundo que estejam dispostas a ajudá-los on-line, sem intermediários. Em apenas dois anos de existência, o Kiva virou sucesso mundial. Suas operações já movimentaram 19 milhões de dólares e chegaram a quase quarenta países (veja quadro). Tudo com o uso de apenas duas ferramentas: um computador e um cartão de crédito.

kiva.org website

A rede de empréstimos foi criada em 2005 pelo casal Matt e Jessica Flannery, dois jovens californianos. A idéia surgiu após uma viagem de Jessica à África, onde coordenou uma pesquisa sobre o impacto de doações módicas utilizadas por pessoas para abrir ou ampliar pequenos negócios. Lá, Jessica tirou as seguintes conclusões: 1) os pobres têm forte espírito empreendedor e são ótimos pagadores; 2) histórias de superação pessoal têm um poder inacreditável de encantar potenciais investidores; 3) com a ajuda da internet, é possível multiplicar exponencialmente o número de financiadores individuais. Com base nessas três premissas, Jessica e o marido criaram o site Kiva – palavra que significa "ação conjunta" no idioma suaíli, falado em nações africanas como Quênia e Tanzânia. O sistema do Kiva é simples: como no Orkut, microempresários inscrevem seu perfil na página da internet, com fotos e dados pessoais. Mas, em vez de citar filmes e músicas preferidos, descrevem o tipo de negócio em que atuam, estimam a quantia de que necessitam para incrementá-lo, dizem como investirão o dinheiro tomado em empréstimo e em quanto tempo poderão pagá-lo. Potenciais financiadores em qualquer parte do mundo escolhem os perfis que mais lhes agradam. Cada um pode emprestar o total pedido pelo empresário ou apenas uma parte (25 dólares, no mínimo), que será complementada por outros financiadores. O dinheiro é inicialmente transferido para os fundos do Kiva, em nome do empreendedor escolhido, por meio de uma transação on-line via cartão de crédito. No prazo estabelecido para o pagamento do empréstimo, os credores recebem o dinheiro de volta, sem juros nem correção. Nessa via de mão dupla entre empresários e financiadores está o grande mérito do programa – não se trata de benemerência a fundo perdido, com resultados momentâneos, mas de empréstimos com retorno seguro e impacto social imenso. Segundo Afonso Cozzi, coordenador do Núcleo de Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, a grande vantagem do Kiva sobre as instituições de microcrédito tradicionais é ter uma rede ampla que multiplica as chances de os pequenos empresários conseguirem ajuda.

Outra razão do sucesso do Kiva é o alto grau de confiabilidade e transparência das operações. Para garantir a segurança do empréstimo, o site mantém parceria com instituições locais de microcrédito que atuam em cada um dos 39 países atendidos atualmente – não há, por enquanto, entidades cadastradas no Brasil. Cabe a esses parceiros selecionar empresários idôneos e produzir relatórios periódicos sobre o andamento do negócio financiado, permitindo ao credor acompanhar pela internet todo o processo. Desse modo, desaparece a figura do intermediário tradicional, em geral entidades assistencialistas que, apesar de receberem vultosas quantias, estão muito interessadas em se perpetuar e refratárias à prestação de contas desses recursos. A seriedade do Kiva é reforçada pelo fato de que as próprias entidades parceiras são avaliadas no site – as estrelinhas que, no Orkut, servem para indicar a popularidade do internauta, no site sinalizam o grau de confiabilidade da instituição, de acordo com seu tempo de associada, quanto dinheiro administra e a taxa de inadimplência das pessoas que atende (a média geral é de apenas 0,2%). Para fazerem seu trabalho, as instituições parceiras cobram juros de 20% ao ano. A taxa, similar à praticada pelas empresas de microcrédito, não é propriamente pequena. É preciso entender, no entanto, que empreendedores de baixa renda não têm acesso a essas instituições financeiras, que exigem garantias e não dispõem de linhas de crédito de pequeno valor. Portanto, os pequenos comerciantes são obrigados a se submeter ao mercado paralelo da agiotagem, onde a cobrança de juros é extorsiva.

Divulgação
Jessica e Matt Flannery: jovens californianos são os pais da idéia


E como o Kiva se sustenta? Além de receber doações, seus criadores encontraram outra solução: embora os tomadores do empréstimo devolvam o dinheiro em parcelas mensais, os financiadores ao redor do mundo só recebem o dinheiro de volta quando toda a dívida for amortizada – em média, no prazo de um ano. Durante esse período, os recursos ficam em uma conta remunerada e os rendimentos são usados para bancar as operações do site. Toda a idéia surpreende pela simplicidade e pela capacidade de atrair simpatizantes de peso. O Kiva conseguiu chamar a atenção de personalidades como a apresentadora Oprah Winfrey e o ex-presidente Bill Clinton, que também têm os próprios programas de ação humanitária. Em um dos elogios públicos que fez ao site, Clinton resumiu com clareza as razões da rápida popularidade alcançada pelo projeto: "É como se você conhecesse aquelas pessoas, soubesse como elas vivem e como tocam seus negócios. E você ainda pode ajudá-las. Tudo isso pela internet. É fantástico".

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