Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

FBI investe 1 bilhão de dólares em banco de dados

Além das impressões

O FBI investe 1 bilhão de dólares no projeto de uma
tecnologia capaz de identificar os sinais característicos
de cada pessoa – desde a voz até o jeito de andar


Marcos Todeschini

Fotos Ian Waldie/Getty Images e Istockphoto.Com/Royalty Free
Imagem computadorizada do rosto e das impressões digitais: o novo sistema permitirá identificar com precisão um criminoso em meio à multidão

É impossível checar as impressões digitais de cada uma das pessoas em uma multidão. Para os policiais, isso é um pesadelo quando se trata de apontar entre milhares de inocentes um potencial criminoso ou terrorista. A polícia federal americana, o FBI, está investindo 1 bilhão de dólares em um projeto que permitirá identificar os sinais únicos de um criminoso já conhecido em meio às multidões. O projeto partirá das informações de um banco de dados do tamanho de dois campos de futebol alojado em um abrigo subterrâneo na cidade de Clarksburg, a 400 quilômetros de Washington. A nova tecnologia foi batizada de Next Generation Identification. Ela unificará as principais formas de reconhecimento de criminosos usadas hoje, levando em conta as "mensurações unívocas", aqueles traços que os identificam como únicos e que dificilmente podem ser imitados ou apagados. O banco de dados conta hoje essencialmente com as impressões digitais, com imagens do rosto e da palma das mãos de mais de 50 milhões de indivíduos. A tecnologia ampliará esse arsenal, incluindo nele informações sobre a íris, o formato do lóbulo, o tom de voz e o padrão dos passos ao caminhar. A nova tecnologia reduzirá as características físicas e os comportamentos adquiridos a um padrão matemático e vai associá-lo à pessoa fichada.

Outra frente da pesquisa desenvolverá uma tecnologia de vigilância ligada a esse banco de dados que será instalada em centros com grande circulação de pessoas, como aeroportos e estações de trem. As câmeras medirão vários indivíduos ao mesmo tempo e identificarão aqueles que representam perigo. O desenvolvimento do projeto foi recebido com agrado pelos especialistas em segurança, mas com ressalvas pelos órgãos de defesa da privacidade. Isso porque o FBI pretende catalogar não apenas criminosos. A idéia da polícia federal americana é manter em seus arquivos as informações corporais obtidas de qualquer pessoa que eventualmente as forneça em aeroportos ou batidas policiais de rotina. Essa é uma mudança radical. Atualmente, esses dados são deletados quando nada pesa contra o indivíduo. Com o novo sistema, essas informações acabariam entrando para o tal banco de dados e lá permaneceriam, em uma espécie de arquivo para a vida inteira. Elas poderiam ser acessadas a qualquer momento no interesse do estado. Para muitos analistas, o progresso tecnológico está ajudando a trazer de volta uma das mais perniciosas formas medievais de discriminação, a marcação indelével a ferro que os criminosos e inimigos do poder recebiam no rosto. É um exagero. A idéia, porém, tem origem comum na obsessão de facilitar a identificação de um criminoso e em sua idéia gêmea, a de que quem transgride tende a transgredir de novo e, por isso, precisa ser marcado.

A identificação de criminosos por meio de suas características físicas remonta aos primórdios da era medieval. A forma usada então era uma verificação feita a olho nu: cor do cabelo e da pele, marcas de nascença e defeitos no jeito de andar eram catalogados depois que alguém cometia um delito. Essas marcas ajudariam na identificação dos criminosos em oportunidades futuras. Como essas características físicas podiam ser burladas com um disfarce, a monarquia francesa inventou uma maneira para marcar de modo ainda mais conspícuo os fora-da-lei. Os bandidos eram marcados a fogo com uma "tatuagem" no rosto, no formato da flor-de-lis, o emblema do poder francês desde o século XII. A cicatriz durava para sempre. Essa forma antiga de marcar as pessoas por meio de sinais aparentes foi aposentada com o passar do tempo.

Um estudo sobre a palma das mãos feito pelo escocês Henry Faulds Malpighi, no século XIX, fez com que outras marcas, bem mais sutis, passassem a ser usadas para identificar os indivíduos e fichar criminosos. São as impressões digitais. As centenas de cavidades com a largura de 2 décimos de milímetro são formadas durante o quarto mês de gestação. Os cientistas acreditam que o desenho constituído varie conforme a carga genética e a movimentação do feto dentro do útero. Por isso é praticamente impossível duas pessoas terem a mesma impressão digital. A datiloscopia, a identificação humana por meio das impressões digitais, foi diretamente responsável pela captura de mais de 1 milhão de criminosos nos Estados Unidos desde que passou a ser usada pela polícia americana, no início do século XX. À primeira vista as impressões digitais são idênticas. Como Deus, a diferença está nos detalhes. Em sua infinita capacidade de se copiar e se diferenciar, a natureza prega a mesma peça, por exemplo, na estrutura cristalina dos flocos de neve. Eles são iguais vistos de longe. Ao microscópio não se encontram dois idênticos. O que os seres humanos têm de igual e de diverso em sua personalidade e em sua compleição física embute mistérios que ainda desafiarão a ciência pelos próximos séculos. Está aí a beleza da humanidade. É altamente resistente também a obsessão em identificar e paralisar um criminoso conhecido antes que ele ataque de novo. Como fazer isso sem ferir a dignidade e a liberdade individual é algo em que a tecnologia nada pode ajudar.

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