Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 05, 2008

Karoshi: a morte por excesso de horas extras

Tragédia na virtude

A morte de um operário japonês por excesso
de trabalho expõe um problema nacional


Roberta Abreu de Lima

Michael Carona/Reuters
A viúva de Uchino com o retrato da família: o marido ficava tão exausto que não tinha forças para brincar com os filhos


Em fevereiro de 2002, o japonês Kenichi Uchino ocupava o cargo de gerente de controle de qualidade numa fábrica de automóveis da Toyota, na província de Aichi, quando caiu fulminado em pleno expediente, às 4 horas da manhã. Tinha apenas 30 anos. A causa da morte foi ataque cardíaco decorrente de excesso de trabalho. Apenas naquele mês ele havia cumprido 106 horas extras. Passara todo o semestre anterior trabalhando, pelo menos, oitenta horas a mais por mês. A maior parte dessas horas extras não era remunerada. A empresa as considerava "trabalho voluntário". Alguns dias antes de morrer, ele disse à mulher, Hiroko: "O momento em que mais me sinto feliz é quando estou dormindo". O caso de Uchino não é um acontecimento isolado no Japão. A morte por sobrecarga de trabalho, um problema reconhecido pelo governo japonês desde a década de 80, é tão comum que há um vocábulo para defini-la: karoshi. A viúva de Uchino passou quase seis anos brigando na Justiça por uma indenização para ela e seus dois filhos. No mês passado, conseguiu que as horas que o marido trabalhou sem remuneração fossem consideradas parte integral do salário dele.

A sobrecarga de trabalho se institucionalizou no Japão durante a reconstrução do país após a II Guerra. Nos anos 90, depois de uma série de ações judiciais movidas por famílias de vítimas de karoshi, o governo criou leis impondo penalidades às empresas que expunham seus funcionários a jornadas excessivas. As companhias, então, reduziram as jornadas que constavam nos contratos de trabalho, mas passaram a obrigar os empregados a trabalhar horas a mais sem remuneração. Era isso ou perder o emprego. A prática se disseminou, combinada à cultura japonesa de sacrifício da vida pessoal em nome do país ou da empresa.

Segundo um levantamento do Ministério da Saúde, do Bem-Estar e do Trabalho do Japão, 355 trabalhadores adoeceram gravemente por sobrecarga de trabalho em 2006 e cerca de 150 morreram. O karoshi, que atingia trabalhadores na faixa entre 50 e 60 anos, agora freqüentemente colhe vítimas na faixa de 20 a 30. As indenizações do governo para os parentes de uma vítima de karoshi podem chegar a 20 000 dólares por ano. Por parte da companhia, a compensação pode ser superior a 1 milhão de dólares. Em sua última semana de vida, Uchino trabalhava no departamento responsável pela construção do Prius, o carro verde de enorme sucesso da Toyota.

1/3 dos japoneses trabalha mais de 12 horas por dia,
parte desse período sem remuneração

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