Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, janeiro 01, 2008

Celso Ming Emprestar para país rico

O Estado de S. Paulo


Foram cinco anos consecutivos de superávits nas contas externas (contas correntes). Aí o Banco Central projetou um déficit de US$ 3,5 bilhões para este ano e velhas cassandras se agitaram: "por culpa desse câmbio aí, logo estaremos de volta ao brejo de onde saímos com tanto sofrimento..."

Primeiramente, alguns conceitos, porque ninguém precisa ter brevê em jargão de economista. As contas correntes são o retrato do movimento de recursos do País com o exterior e vice-versa, em três categorias: comércio exterior (exportações e importações); pagamento de serviços (juros, transportes, turismo, royalties) e rendas (remessas de lucros e dividendos); e transferências unilaterais (o dinheiro que os pais mandam aos filhos que estudam no exterior ou que os brasucas despacham para suas famílias no Brasil).

As contas correntes não englobam todas as contas externas. Deixam de fora o movimento de capitais. A existência de um déficit em conta corrente significa que, para não perder reservas, o Brasil precisa receber mais capitais, seja na forma de investimentos de risco ou de aplicações financeiras.

Por que tanta tensão com o reaparecimento de um déficit em conta corrente? Porque alguns se lembram dos tempos de chumbo, quando os seguidos rombos tinham de ser tapados com dívidas no exterior e o Brasil comeu o pão que o diabo amassou na mão dos credores. Quem fica desassossegado com isso logo lembra da advertência do ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen: "A inflação aleija; o câmbio mata."

Mas não é certo que 2008 feche com um déficit em conta corrente. As projeções ou não consideram ou minimizam fatos que estão para acontecer.

Um deles é a revisão dos preços do minério de ferro. Dentro de mais algumas semanas, a Vale do Rio Doce fechará as negociações. Os especialistas prevêem reajustes entre 20% e 50%. Se forem de 30%, apenas as exportações do minério renderão mais US$ 3 bilhões.

O segundo fato são os ganhos com petróleo. Ao longo de 2007, cinco plataformas da Petrobrás entraram em funcionamento. E isso aponta para menos importações e mais exportações de petróleo e derivados em 2008. Mas sejamos pessimistas. Digamos que a economia adicional nesse item não será maior do que US$ 3 bilhões.

Terceiro fato: os preços das commodities agrícolas estão galopando. Os preços da soja estão 69,3% mais altos do que há um ano; os do milho, 36,2%; os da carne bovina, 40,2%. Ainda que muitos produtores já tenham vendido sua safra no mercado futuro, a maior parte dessa alta aumentará o faturamento das exportações. E não será menos do que US$ 5 bilhões.

Ou seja, apenas nesses três itens, a receita extra será mais do que o triplo do déficit apontado. Ainda assim, se o Banco Central e os analistas estão certos e algum déficit acabe sendo registrado neste ano, é preciso entender que os tempos são outros. Quando há superávit, esses recursos vão para as reservas que em seguida são aplicadas em títulos de dívida de países ricos.

Não faz sentido um país pobre, como o Brasil, ficar o tempo todo financiando o consumo dos mais abonados do globo.

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