Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 11, 2007

Roberto Pompeu de Toledo

O Maranhão do
Sul na Wikipédia

A mágica de criar estados é boa para vender
ilusões enquanto se assalta o contribuinte

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, em março, projeto que prevê a realização de plebiscito para a criação do estado do Maranhão do Sul. O plebiscito junto à população interessada, manda a Constituição, é o primeiro passo para a criação de um novo estado. Fazia apenas um mês que o senador Edison Lobão apresentara o projeto. A idéia é que a nova unidade federativa, com capital em Imperatriz, tenha 120.000 quilômetros quadrados (quase metade dos 331.000 do atual Maranhão), 1 milhão de habitantes e 49 municípios (o Maranhão atual tem 6 milhões de habitantes e 217 municípios). Tão rápida quanto a aprovação do projeto – subscrito, numa demonstração de força, pelos dois outros senadores do Maranhão, Roseana Sarney e Epitácio Cafeteira, e 38 outros colegas – foi a ascensão do Maranhão do Sul à glória da Wikipédia, a enciclopédia da internet. Ali se informa, entre outras coisas, no verbete respectivo: "Há fortes indícios de que o Maranhão do Sul seria uma entidade plenamente viável: a região possui abundantes recursos naturais, não é sujeita a estiagens, e tem forte potencial para o ecoturismo".

É curioso o conceito de viabilidade da Wikipédia. O Maranhão é o mais pobre estado brasileiro. O sul do Maranhão é a metade mais pobre do Maranhão. A conclusão inevitável é que o Maranhão do Sul, se e quando for criado, irá direto para a rabeira, como o mais pobre estado brasileiro. Antes de culpar a Wikipédia pela afirmação, no entanto, atente-se para o caráter dessa enciclopédia: ela é aberta a colaborações. Qualquer um pode criar verbetes ou mexer nos já existentes. Não foi uma equipe de doutos enciclopedistas, pode-se concluir sem erro, que redigiu o verbete "Maranhão do Sul". Em favor da Wikipédia, acrescente-se que ela costuma pespegar avisos nos verbetes de duvidosa procedência e suspeito conteúdo. É o caso do "Maranhão do Sul". Ali está escrito: "Este artigo ou seção possui passagens que não respeitam o princípio da imparcialidade. Tenha algum cuidado ao ler as informações contidas nele. Se puder, tente tornar o artigo mais imparcial".

Esta página não é da Wikipédia, mas tentemos ajudá-la. O senador Edison Lobão é do grupo do senador José Sarney. No ano passado, o grupo, que concorria com Roseana Sarney, perdeu o governo do Maranhão para o rival Jackson Lago. A derrota representou o fim de quatro décadas de hegemonia de Sarney e companhia na província. A eleição foi em fins de outubro. A posse do novo governador, em janeiro. Em fevereiro, sem perder tempo, Lobão apresentava seu projeto no Senado. A conclusão é elementar, minha cara Wikipédia. Já que não dava para tirar o governo de Lago, tentava-se arrancar metade do estado de seu governo. Eis um esplêndido caso de política à brasileira. Enriquecido com tais dados, o verbete da Wikipédia seria muito útil a todos quantos se interessam em entender como funciona o país.

Projetos de criação de novos estados existem às dezenas no Congresso. O ex-senador Francisco Escórcio teve como principal bandeira, durante anos, a criação do estado do Planalto Central, reunindo o entorno de Brasília. Mais interessante ainda era o projeto do deputado Wanderval dos Santos, o "bispo Wanderval" da Igreja Universal: o Rio Tietê passaria a dividir o atual estado de São Paulo em dois. De um lado ficariam Campinas e Ribeirão Preto, entre outros municípios. Do outro, a cidade de São Paulo. Como São Paulo é cortada pelo Tietê, presumivelmente perderia alguns bairros para a outra unidade federativa. Tais projetos acabaram no arquivo do folclore legislativo. Mas é preciso atenção, pois às vezes escapa e um deles emplaca. O então deputado Siqueira Campos tanto insistiu que a Constituinte de 1988 acabou criando um estado só para ele – o Tocantins. Siqueira Campos foi governador do novo estado três vezes, mantendo-se no posto durante onze dos dezenove anos da gloriosa história tocantinense.

Criar um novo estado é, como se sabe, um investimento político-burocrático de rentabilidade sem par. É ganhar um cargo de governador, dez de secretário de estado, uma Assembléia Legislativa novinha, com 24 deputados, sete cargos de desembargador, para começar – tudo isso está na Constituição –, e sabe-se lá quantos funcionários públicos. Além disso, ganha-se o direito de enviar a Brasília no mínimo oito deputados federais e três senadores. A despesa fica por conta da União. Numa recente edição do jornal O Estado de S. Paulo, o repórter Ricardo Brandt contou seis projetos de criação de estados que, aprovados nas comissões de Justiça do Senado ou da Câmara, estão prontos para ir a plenário. Além do Maranhão do Sul, a lista inclui os estados do Tapajós e de Carajás (ambos desmembrados do Pará), o do Gurguéia (desmembrado do Piauí), o de Mato Grosso do Norte (de Mato Grosso) e o do Rio São Francisco (da Bahia). Esses ainda não estão na Wikipédia, mas é bom ficar atento. A mágica de criar estado é muito boa para vender ilusões com uma mão enquanto se assalta o bolso do contribuinte com a outra.

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