O cruzamento dos diálogos da cabine do Airbus
da TAM com dados do vôo reforça a convicção de
que o piloto deixou o manete na posição incorreta
Fábio Portela e Antonio Ribeiro, de Paris
Ailton de Freitas/Ag.Globo |
O brigadeiro Kersul, durante a leitura dos diálogos dos pilotos do A320 da TAM na CPI do Apagão Aéreo |
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Foi divulgada a transcrição dos diálogos ocorridos na cabine de comando do Airbus A320 da TAM durante os trinta minutos que antecederam a explosão da aeronave. Nas conversas, o comandante Kleyber Lima e o co-piloto Henrique Stephanini Di Sacco trocam informações sobre a situação dos equipamentos e perguntam à torre do Aeroporto de Congonhas sobre as condições da pista. As gravações mostram que, até o momento do pouso, tudo ia bem no vôo 3054 da TAM. Apenas nos segundos finais, depois que o A320 toca o solo, é que os pilotos percebem que o avião está fora de controle. Os diálogos que se seguem a partir daí chocam pela dramaticidade. Mas, cruzados com as informações registradas pela segunda caixa-preta, a que contém os dados do vôo, eles ajudam a entender melhor as causas que levaram ao acidente. Essa segunda caixa-preta informa, claramente, que o manete da turbina direita do avião (aquela com o reverso travado) estava no lugar errado no momento em que o Airbus tocou a pista, e lá ficou até o momento do acidente, como VEJA antecipou em sua edição passada. Esse manete foi deixado na posição de "aceleração", incompatível com o procedimento de pouso. Segundo disse aos parlamentares o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), a posição errada da alavanca, ao que tudo indica, fez com que o avião "entendesse" que o piloto não pretendia parar, mas arremeter -- ou seja, fazer uma nova decolagem. Com isso, o computador bloqueou o sistema automático de freios, que inclui os spoilers, e jogou potência máxima na turbina direita do Airbus. Acabou empurrando-o para a tragédia. Ao executar essa operação, o computador apenas obedeceu à sua programação.
Mesmo depois da divulgação das primeiras investigações, aventou-se a hipótese de que, no lugar de falha humana, poderia ter ocorrido um erro não especificado nos computadores de bordo, ou ainda na caixa-preta. Por essa versão, o piloto teria colocado o manete direito na posição correta, mas algo fez com que a caixa-preta registrasse um movimento diferente. VEJA conversou com Raymond Auffray, ex-chefe da comissão francesa de investigação de acidentes aeronáuticos e uma das maiores autoridades do mundo no assunto. Diz ele: "Nos mais de 3.000 casos que já investiguei, nunca vi uma caixa-preta registrar dados de maneira errada. Se há uma pane de transmissão, por exemplo, ela pode deixar de receber informações. Mas, se o registro existe, ele será absolutamente fiel à ação ocorrida". Questionado se o computador de bordo não poderia ter "lido" errado um comando manual corretamente executado pelo piloto, o especialista respondeu: "Jamais encontrei um caso em que o sistema de computadores tenha desobedecido a um comando do manete. Desconheço um caso similar na história da Aeronáutica".
Para reforçar a hipótese de falha nos computadores, chegou-se a afirmar que um profissional experiente como Kleyber Lima, com mais de 14.000 horas de vôo, jamais cometeria um erro na operação dos manetes, considerado primário. Seria tranqüilizador se a premissa fosse verdadeira, mas não é. Em um dos acidentes semelhantes ao da TAM ocorridos com aviões A320 da Airbus -- o de Taipei, em 2004 --, o piloto também era experiente. E cometeu o mesmo erro. O comandante do vôo de Taipei tinha 12.900 horas de vôo, sendo 8.700 em A320 e A321. É compreensível que, num momento de grande comoção como este, se resista a admitir que uma tragédia como a do avião da TAM possa ter tido origem no equívoco de uma ou duas pessoas. O fato, contudo, é que todas as informações conhecidas até agora mostram que houve erro na operação dos manetes -- e não há nenhum dado concreto que aponte para ocorrência de falha eletrônica ou mecânica. Enfatize-se que isso não torna o comandante o único responsável pela tragédia. A lógica do transporte aéreo não pode ignorar a possibilidade de que pilotos, em algum momento, cometam equívocos. Pelo contrário, essa possibilidade está computada no momento em que se projetam, por exemplo, sistemas de alarme que avisam os pilotos sobre um erro em curso, ou que se constroem áreas de segurança em pistas de pouso para evitar, inclusive, que equívocos porventura cometidos por comandantes impeçam as aeronaves de parar onde deveriam. O A320 da TAM não dispunha de um sistema eficiente de alarme contra erros, tampouco a pista em que ele se acidentou oferecia alguma margem de segurança. Tudo indica que houve erro do piloto, sim. Mas outros o precederam.
Com reportagem de Guilherme Fogaça
Fotos: Airliners.net e Luiz Prado |