Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 17, 2007

Não é hora de bravatas


Editorial
O Estado de S. Paulo
17/8/2007

Os cães de guarda não ladraram, as sirenes não soaram e só umas poucas luzes de alarme se acenderam. Os sistemas de segurança do mundo financeiro falharam de novo, como haviam falhado na crise mexicana de 1994, na asiática de 1997 e em quase todas as demais até o estouro, há algumas semanas, da bolha hipotecária dos Estados Unidos. A Comissão Européia ameaça investigar as agências de classificação de risco pela demora em alertar os investidores. Algumas chegaram a rebaixar alguns títulos, no segundo trimestre deste ano, quando os sinais de turbulência ficaram mais fortes, mas o alerta foi atrasado e insuficiente.

Além disso, ficou evidente, mais uma vez, o alcance limitado das normas de segurança ditadas pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS). Essas normas, em tempos de calmaria, podem limitar, por exemplo, empréstimos produtivos de instituições como o BNDES, mas são quase inúteis quando se trata de conter o alastramento de grandes ondas de imprudência. A maior parte dos canais por onde se espalha a especulação passa longe de regras como as do BIS.

Um dos poucos alertas mais claros foi transmitido recentemente em trabalho de dois economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI), John Kiff e Paul Mills. Num estudo datado de julho, eles analisaram a evolução do mercado americano de hipotecas de risco e já usaram, embora entre aspas, a palavra “crise”. Analisaram os calotes a partir de 2006, seus impactos iniciais nas pequenas instituições e tentaram avaliar o alcance das perdas, no caso de contágio de outras áreas do mercado: algo entre US$ 18 bilhões e US$ 25 bilhões, no caso de se manterem estáveis os preços dos imóveis, e até US$ 60 bilhões, aproximadamente, no caso de uma queda de 5%.

Os dois autores analisam o modelo de securitização adotado para as hipotecas imobiliárias, mostram suas vantagens e alertam para o perigo de sua “versão extrema”. No final, defendem a adoção de regras para limitar “futuros excessos de empréstimos predatórios”.

Esse trabalho não deve ter sido um sucesso de público e, além disso, foi divulgado quando a crise já se alastrava. Sua recomendação final - regras mais severas para impedir os excessos - é parte de uma longa discussão sobre os mecanismos de supervisão financeira e de prevenção de crises. Esse debate ganhou corpo a partir de 1998, quando os especialistas ainda tentavam entender como se permitiu a eclosão da crise na Ásia, apesar dos sinais de perigo evidentes para qualquer analista competente.

Esse tipo de recriminação é agora ouvido, mais uma vez, e provavelmente produzirá, de novo, efeitos limitados. Rodrigo de Rato, o demissionário diretor-gerente do FMI, definiu como um de seus objetivos a montagem de um sistema internacional de prevenção de crises. A proposta inclui a institucionalização de um mecanismo de consultas para articulação de políticas. A agenda imediata, naturalmente, é a busca de soluções para os grandes desajustes de contas externas. Isso envolve, inevitavelmente, o debate do câmbio chinês, subvalorizado, e dos enormes déficits interno e externo dos Estados Unidos. A discussão continuará, certamente com maior vigor, na próxima reunião do Fundo, em outubro. A crise originada no mercado de hipotecas é uma pequena parte desse imenso desarranjo financeiro ainda sem solução à vista.

Se o ajuste ocorrer de forma atabalhoada - e este é o maior temor dos especialistas, neste momento -, dificilmente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá continuar alardeando a invulnerabilidade brasileira. O País, é certo, está hoje menos exposto a choques financeiros externos, mas a imunidade a uma crise global é fantasia. Ontem, o Tesouro Nacional suspendeu um leilão de títulos, porque não teria sentido rolar a dívida pública num ambiente de agitação internacional. Na Bolsa de Metais de Londres os preços despencaram, porque os investidores temem uma forte desaceleração da economia no próximo ano.

Esse pessimismo pode não se confirmar, mas o temor é justificável. Se a atual turbulência for o começo de uma crise na chamada economia real, os preços dos produtos básicos serão afetados - e isso atingirá boa parte das exportações brasileiras. O País tem fundamentos muito mais firmes do que há alguns anos, mas a hora não é de bravatas e sim de prudência em todas as políticas.

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