Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 12, 2007

Merval Pereira - Votos X Benefícios

Um dos pontos mais relevantes das pesquisas sobre o Bolsa Família é o aumento da freqüência nas escolas. Um estudo dos especialistas Sergei Soares, Ricardo Paes de Barros e Marcelo Néri, com base em suplemento da Pnad de 2004, mostra que os alunos atendidos pelo Bolsa Família freqüentam mais a escola que outros que não são beneficiários do programa, além de terem um índice menor de abandono dos estudos. Entre o público de 7 a 14 anos atendido pelo Bolsa Família, a taxa de freqüência escolar é 3,6 pontos percentuais acima da observada no conjunto dos não-beneficiários. No público feminino, essa diferença chega a 6,5 pontos percentuais, e no Nordeste é ainda maior: 7,1 pontos percentuais.

Quanto ao abandono da escola, os resultados da comparação indicam menor evasão das crianças incluídas no Bolsa Família. Entre os alunos beneficiários, a taxa de evasão chega a ser 2,1 pontos percentuais menor no conjunto das crianças em situação de extrema pobreza. Como a taxa de freqüência à escola é bastante elevada no país (97,3%) e a evasão é baixa (6,6%), essas diferenças são bastante relevantes nas avaliação dos pesquisadores que analisaram os dados.

Essas conclusões são limitadas, porém, pelo ainda precário acompanhamento das condicionalidades do programa, a principal delas a freqüência às aulas. Das famílias abrangidas pelo Bolsa Família, apenas 4.425.320 são acompanhadas para efeito das condicionalidades, isto é, apenas 41,8% do total abrangido pelo programa.

Alterações realizadas no ano passado pretendem dar maior rapidez ao registro da freqüência escolar, e evoluir no acompanhamento da condicionalidade de educação, além de melhorar a qualidade da informação. A cada período, o novo sistema amplia o percentual de alunos acompanhados.

No período relativo aos meses de outubro e novembro de 2006, o percentual foi de 63%; nos meses relativos a fevereiro e março de 2007 o programa chegou a 66% e, nos meses de abril e maio de 2007, o percentual de acompanhamento foi de 68,9%.

O número total de alunos em novembro de 2004 era de 12.393.146, e apenas 50,8% tinham a freqüência i n f o r m a d a . H o j e , s ã o 14.991.000, mas esse número, em setembro de 2006, já foi de 16.279 mil alunos.

Pesquisa realizada em 2005 mostrou que a desnutrição infantil no semiaacute;rido caiu de forma significativa nos últimos dez anos. O estudo revelou que o índice de crianças com até 5 anos que sofrem de desnutrição crônica (déficit de altura) reduziu de 17,9%, em 1996, para 6,6%.

Na região, o Bolsa Família diminuiu em 30% o risco de desnutrição infantil, segundo análise feita pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Das crianças beneficiárias do Bolsa Família, 94,2% fazem três ou mais refeições por dia.

A Secretaria Nacional de Renda e Cidadania alega que as mudanças ainda estão sendo implantadas, e técnicos da área de educação foram incorporados ao processo de acompanhamento da freqüência escolar. Com a implantação do novo sistema, a tarefa de acompanhar a freqüência escolar deixou de ser responsabilidade das secretarias municipais que inscrevem as famílias pobres no Cadastro Único, e foi assumida pela área da educação, que podem cadastrar operadores auxiliares e até diretores de escola.

Como o processo de acompanhamento, além de ainda incipiente obedece a etapas bastante rígidas, que vão desde a advertência até o cancelamento dos benefícios, com uma visão de evitar ao máximo a exclusão de uma família, o programa em sua grande parte ainda tem características meramente assistencialistas.

A secretária Rosani Cunha, que recusa essa classificação, mas admite que é necessário melhorar o acompanhamento, ressalta que “já tivemos 740 mil advertências, 194 mil bloqueios; 58 mil de primeira suspensão, e 11. 840 na segunda suspensão. No próximo período, temo que vá aumentar o número de cancelamentos, e não é o que nós queríamos”, lamenta.

Num universo de quase 11 milhões de famílias atendidas pelo programa, são números que atingem, no máximo, menos de 10% dos beneficiários. Ao mesmo tempo em que o programa, devido ao acompanhamento precário das condicionalidades, ajuda a reduzir a miséria no país de maneira não estrutural, traz também benefícios eleitorais para o governo, já detectados em estudos.

O trabalho “As Bases Municipais da Votação de Lula em 2006”, do cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, e Vitor Peixoto, doutorando em Ciência Política do mesmo instituto, confirmou pela primeira vez, com base em análise dos dados oficiais da última eleição presidencial até os municípios, o que já se intuía: a votação do presidente Lula em 2006 está claramente associada aos efeitos do Bolsa Família, que explicam pelo menos 63% de sua votação.

E o programa foi direcionado para os municípios onde Lula teve resultados fracos em 2002, provocando em 2006 uma mudança do perfil do eleitor de Lula, que saiu dos grandes centros urbanos para os grotões das regiões Norte e Nordeste, onde se concentram. Os pesquisadores mostram que a focalização do Bolsa Família, um de seus êxitos, provocou alta concentração dos recursos justamente na Região Nordeste, onde nada menos que 53,7% do total foi invertido.

Existe a explicação técnica de que essa é a área de maior concentração de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza no Brasil. A associação entre o percentual de votos obtidos por Lula e os gastos do Bolsa Família, porém, é expressiva e indica que Lula obteve percentualmente mais votos nos municípios que receberam mais recursos per capita do Bolsa Família.

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