Augusto Nunes
"Ninguém neste país consegue colocar mais gente na rua do que eu", gabou-se o presidente Lula no dia 31 de julho. A frase deveria ter sido guardada para silenciar, num encontro dos chefes da aliança governista, os queixosos de sempre. Quem tem culpa no cartório deve tratar com mais carinho um homem que vive ajudando a colocar na rua gente que merece cadeia.
Muitos figurões da aliança federal já foram socorridos pelo Primeiro Advogado. Outros podem precisar dos seus serviços a qualquer momento. Sabem que serão prontamente atendidos. Para o presidente, bandidos de estimação não cometem crimes. Cometem erros, todos perdoáveis. A companheirada é gente boa.
Pena que Lula tenha desperdiçado a frase no Improviso de Cuiabá. Endereçou-a, em tom de ameaça, a "essa gente que quer brincar com a democracia neste país". Subira novamente ao palanque o autoritário que, por trás da mais singela discordância, enxerga o dedo dos reacionários, a mão dos golpistas, a silhueta da elite que tentou por 500 anos erradicar a pobreza a bala.
O plano sinistro só não se consumou porque Deus, bom brasileiro, premiou a pátria em perigo com o maior estadista da História. Enviado pela Providência, Lula não está para brincadeiras. Não admite críticas. Só elogios. Não aceita o convívio dos contrários. Exige a unanimidade a favor.
Atormentado pela vaia no Maracanã, com o raciocínio escurecido pelo apagão interminável, Lula resolveu dividir o mundo entre amigos a proteger e inimigos a exterminar. Nessa categoria se enquadra qualquer brasileiro que ouse discordar do que o governo faz, fez ou deixou de fazer.
Passageiros flagelados nos aeroportos, parentes de vítimas de acidentes, parlamentares oposicionistas, empresários aflitos com a carga tributária, jornalistas independentes - todos os que insistem em importunar o coro dos contentes se acotovelam no mesmo balaio dos jurados de morte.
Se quiserem brigar na rua, advertiu o Improviso de Cuiabá, será mobilizado o exército leal ao campeão de popularidade. Dado o aviso, o Aerolula levou para longe da frente de combate o general de uma batalha que, como a de Itararé, não haverá. Primeiro, por falta de hábito. Os guerreiros do Brasil hoje só trocam chumbo pela internet. Depois, por falta de interessados em desfraldar bandeiras políticas.
Neste ano, a Avenida Paulista foi duas vezes tomada por mais de 3 milhões de manifestantes. A primeira invasão reuniu devotos da Igreja Renascer, inconformados com a permanência numa cadeia americana da dupla de criminosos que lidera a seita. O espetáculo da multidão na avenida foi reprisado pelos participantes da Parada do Orgulho Gay.
Falta motivação e sobra preguiça. Ricos não saem às ruas: mandam os outros. Os pobres preferem esperar em casa pelos trocados do Bolsa Família, que instituiu o coronelismo de Estado. A classe média trabalha o tempo todo para pagar a conta.
A voz rouca anda sumida faz tempo. Talvez tenha prolongado o recesso que tonifica. Talvez esteja morta de cansaço.
Cabôco Perguntadô
Intrigado com o caso dos atletas cubanos que desertaram durante o Pan 2007, o Cabôco tem um punhado de perguntas a fazer. Por que a polícia impediu o acesso aos prisioneiros de jornalistas e advogados? Por que a restrição não se estendeu a emissários de Fidel? Quem contou que os parentes seriam punidos se não voltassem? Por que Celso Amorim fingiu que não era com ele? O Cabôco acha que as respostas se escondem na mesma curva do caminho em que o Itamaraty perdeu a vergonha.
Um paraíso na rota do perigo
Foi a prefeita Marta Suplicy quem autorizou a construção de um prédio na rota dos aviões que pousam ou decolam em Congonhas. Faz sentido. O dono do edifício é proprietário da casa noturna Bahamas, que oferece mulheres de primeira classe à clientela de executivos. Em vez de sofrer nas salas de embarque, passageiros engravatados relaxavam no animado barzinho da boate.
O hotel erguido com a ajuda de Marta permitiria que conjugassem o segundo verbo do conselho famoso da ministra do Turismo.
Suspeita infundada
Pressionado pela organização Repórteres sem Fronteiras, o presidente Lula resolveu desmontar a suspeita de que andam muito tensas as relações entre o chefe de governo e a imprensa brasileira. Há dias, a decisão de não conceder entrevistas exclusivas a publicações nativas foi suspensa para que Lula conversasse com repórteres de A Hora do Povo. Graças ao encontro, o jornal virou notícia pela segunda vez neste ano. A estréia foi motivada pela ameaça de morte feita na primeira página ao jornalista Diogo Mainardi.
Castigo póstumo
Instado a colaborar com as investigações que envolvem o senador Renan Calheiros, o governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, enganou a polícia e chamou o ladrão. Numerosas pistas e evidências envolvem o governador no suspeitíssimo episódio do furto de documentos que tornariam ainda pior a complicada situação parlamentar de Renan. O tucano Teotônio deixou claro que não vai trocar de amigos nem de partido. Deveria trocar de nome. O velho Teotônio Vilela não merecia um filho assim.
Ninguém merece.
Yolhesman Crisbelles
Com um pedido de desculpas pelo atraso de quase dois anos, o júri do Yolhesman decidiu premiar o senador Delcídio Amaral (PT-MT), pelo parecer que endossou a indicação de uma advogada apreciadora de charutos para cuidar da aviação civil:
As características e a importância dos cargos exercidos pela senhora Denise Maria Ayres Abreu demonstram sobejamente a pertinência de suas atribuições profissionais com as atribuições de diretora da Anac.