O Globo |
9/8/2007 |
Não parece lógico o que o senador Renan Calheiros está fazendo, testando ao máximo a resistência diante da enxurrada de acusações que lhe são feitas, tornando irreversível seu desgaste político. Desde o início, seu caso parece perdido para os fatos, e caberia a um político experimentado como ele entender quando chega a hora de recuar para não perder o prestígio político. Foi o que fez o hoje deputado Jader Barbalho, quando sentiu que não escaparia vivo politicamente de seu embate com o senador Antonio Carlos Magalhães. Tentou resistir sem usar a cadeira de presidente do Senado, mas acabou renunciando para preservar sua capacidade de atuação política nos bastidores. Voltou deputado, continua exercendo grande poder no governo petista, teve sua mão beijada em palanque pelo candidato Lula na última eleição presidencial, mas faz questão de se movimentar nas sombras, sem dar as caras nos holofotes que antes o iluminavam. Ao contrário, Renan faz questão de ficar sob os refletores, como se o cargo lhe servisse de escudo contra o que chama de articulações de políticas interioranas. Mas permanecer em cena com destaque prejudica o senador alagoano, que já deveria ter submergido para águas mais profundas e menos turvas do que as em que insiste em navegar. Está se tornando um estorvo para o governo, ele que já foi um dos principais - ou até mesmo o principal - aliado na coalizão política. Ontem fez questão de alardear que o presidente Lula lhe telefonara do exterior, certamente para desfazer a impressão de abandono que uma frase sua deixara no ar. Ninguém, por mais importante que seja, pode atrapalhar a aprovação de projetos importantes para o país, advertira o presidente Lula, se referindo logicamente à aprovação da prorrogação da CPMF, que tem prazo marcado e corre o risco de não sair se a oposição efetivar a obstrução das votações. Renan sabe que o governo não vai correr o risco de morrer abraçado a um afogado como ele, e sabe também que já não tem capacidade de administrar os conflitos abertos no Senado, em cujo plenário brevemente será julgado por quebra de decoro parlamentar. A agressividade com que respondeu ao líder do DEM, José Agripino Maia, transformando em realidade as ameaças veladas que espalhara, já mostra que ele está mais disposto a um suicídio político do que propriamente a salvar-se desse naufrágio. Quando rompeu com o então presidente Fernando Collor, de cujo grupo íntimo fizera parte, porque descobriu que estava sendo traído pelo presidente e por PC Farias na sua pretensão de ser candidato oficial ao governo de Alagoas, Renan saiu atirando contra o governo, na primeira demonstração pública de que havia algo de podre naquela República de Alagoas. Graças a esse rompimento, ganhou uma dimensão política que o colocou em posição de transformar-se em um dos principais líderes do Senado, até que um caso pessoal transmutou-se em crise política com a acusação de que se valia de um funcionário de uma empreiteira para pagar a pensão alimentícia de uma filha que tivera fora do casamento. A partir daí, uma enxurrada de acusações de práticas corruptas foi surgindo, e hoje Renan é um homem isolado em seu poder aparente, respondendo a diversos processos no Conselho de Ética do Senado e no Supremo Tribunal Federal. Não tem mais condições de atuar politicamente, sobrando-lhe a força das acusações que insinua ter, contra o governo de quem já foi o principal líder aliado, e contra seus pares, que irão julgá-lo brevemente. Pode se transformar num Roberto Jefferson, mas também negociar a renúncia à presidência do Senado em troca de um julgamento mais benevolente. A cada dia que passa fica mais estreita sua margem de manobra, e hoje só lhe sobra a ameaça e o temor do governo de que um oposicionista assuma o comando do Senado. Mas brevemente surgirá uma candidatura confiável ao governo que terá o apoio da oposição, e o destino de Renan Calheiros estará selado. Se for verdade essa inacreditável história dos pugilistas cubanos, de que foram drogados e depois abandonados por agentes estrangeiros, terá faltado no mínimo ao governo a sensibilidade de que lidava com um caso delicado que precisava ser bem explicado à opinião pública, brasileira e internacional, antes de devolver os dois à ditadura cubana. Como este governo não peca pela ingenuidade, a ninguém poderia ter escapado que as famílias dos pugilistas poderiam estar sofrendo pressão em Cuba, e por isso eles se diziam dispostos a regressar ao país que amavam, cuja delegação no Pan estranhamente haviam abandonado. Também não é possível imaginar que as autoridades brasileiras, algumas das quais intimamente ligadas à ditadura cubana, achassem que os dois desertores retornariam à ilha sem sofrer punições. A declaração de Fidel Castro de que se trata de traidores, que nunca mais lutarão em nome de Cuba, é uma sentença de morte para os esportistas, que passarão a ter, com sorte, tratamento de párias. Se o governo brasileiro fosse ao menos cauteloso, e não estivesse com tanta ânsia de prestar um favor ao amigo ditador, teria convocado representante das Nações Unidas para os refugiados, a OAB e a imprensa para que todos fossem testemunhas daquela história estrambótica que agora contam em notas oficiais. Na melhor das hipóteses para o governo, os boxeadores cubanos foram enganados pelos agenciadores alemães e as autoridades brasileiras foram enganadas pelo "muy amigo" governo cubano. O que também é outra história inverossímil. |
Entrevista:O Estado inteligente
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