Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 09, 2007

Celso Ming - Tigres de papel

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O Estado de S. Paulo
9/8/2007

Ontem o Daily Telegraph, de Londres, relatou que dois altos funcionários do Partido Comunista Chinês fizeram esta advertência: se os Estados Unidos forçarem o governo chinês a valorizar o yuan (em relação ao dólar), o Banco Popular da China (banco central) passará a vender títulos do Tesouro americano (T-Bonds) armazenados em suas reservas.

O Telegraph esclarece que o valor em títulos do Tesouro americano nas reservas chinesas chega a US$ 900 bilhões, ou 70% do total. E que essa é uma "opção nuclear" para enfrentar o jogo duro dos Estados Unidos.

As pressões sobre o governo de Pequim são de fato fortíssimas. Os últimos quatro secretários do Tesouro dos Estados Unidos (cargo que equivale a ministro das Finanças) fizeram inúmeras viagens a Pequim com esse objetivo. Na semana passada, por exemplo, foi a vez do atual secretário, Henry Paulson, espremer o presidente chinês Hu Jintao para obter o mesmo objetivo.

Guerras de palavras são tigres de papel, como dizia Mao Tsé-tung do imperialismo americano. Entre as ameaças e os fatos pode haver abismos. Então, convém saber o que acontecerá se os chineses levarem as ameaças às últimas conseqüências.

O arsenal não é nada desprezível. A persistir a atual situação simbiótica entre Estados Unidos e China, não seria necessária uma desova de T-Bonds para que houvesse forte desvalorização do dólar. Bastaria que a China deixasse de aplicar suas reservas em ativos amarrados ao dólar. As reservas chinesas têm crescido entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões por ano e, se tudo isso fosse aplicado em ativos denominados em outra moeda, a desvalorização do dólar aconteceria do mesmo jeito, porque faltariam opções. Nem o euro nem o iene japonês assumiram condição de moeda de reserva internacional.

Alguns países da Opep, que também dispõem de reservas enormes, fizeram ameaças semelhantes. Elas nunca foram muito longe. Mas pelo menos dois bancos centrais, o da Rússia e o da Suíça, vêm reduzindo as posições em moeda americana.

Em princípio, se passasse a se desfazer de suas reservas em dólares, a China provocaria um terremoto com epicentro em Nova York, mas, em contrapartida, destruiria ao menos parte do seu próprio patrimônio. Se as posições em dólares nas reservas são de US$ 900 bilhões, uma desvalorização de 25% a 30% do dólar equivaleria a perdas de um ano em ganhos que a China obtém no comércio exterior.

Além do mais, o dólar desvalorizado em 30% aumentaria a competitividade do produto industrializado dos Estados Unidos ante o da China e isso estragaria o pesqueiro chinês, que são suas exportações.

De qualquer modo, o processo de desvalorização do dólar parece em marcha. Em um ano, uma enorme quantidade de ativos ficou mais cara em dólares. Cobre subiu 4,6%; milho, 18,9%; soja, 38,8%; euro, 7,8%; e real, 15,2%.

A comparação entre dólar e real puxa outra conseqüência. Toda desvalorização do dólar em relação a qualquer ativo implica desvalorização equivalente das próprias reservas brasileiras (hoje em US$ 158 bilhões).

Por ora, as ameaças chinesas não passam de tigres de papel.

celso.ming@grupoestado.com.br

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