Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 09, 2007

Clóvis Rossi - De donos e empregados




Folha de S. Paulo
9/8/2007

Logo depois da derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, passei um tempo em Washington para preparar uma série de reportagens.
Um dado dia, conversei com os dois principais assessores do então secretário de Estado, Henry Kissinger. No dia seguinte, o Camboja, comunista, tomou o navio Mayaguez, norte-americano. Soaram todos os alarmes, porque parecia a comprovação da chamada "teoria do dominó" (caído o "dominó" Vietnã logo cairiam os demais países do sudeste asiático).
Liguei para um dos assessores de Kissinger para tentar entender como seria a reação. Não estava. Deixei recado, por deixar. Parecia-me óbvio que um alto funcionário norte-americano jamais retornaria a chamada de um jornalista latino-americano, ainda mais em uma situação crítica. Menos de uma hora depois, telefonou de volta e me contou tudo o que podia contar.
Aprendi na prática o significado de "accountability", uma palavra, aliás, que não tem tradução precisa em português. Eqüivale a "prestação das contas", mas mais forte. Faz parte da cultura política da maioria dos países desenvolvidos: os funcionários sentem-se compelidos a dar satisfações ao público que lhes paga o salário.
Agora, Barcelona vive seus dias de São Paulo: caos no aeroporto, apagão (elétrico), congestionamentos nas rodovias, em pleno pico das férias de verão.
O que faz a ministra de Fomento (Magdalena Álvarez)? Diz "relaxa e goza"? Some? Não. Interrompe suas férias em Málaga, dá a cara em Barcelona, pede desculpas pelos deficientes serviços públicos e se prontifica a comparecer ao Congresso para explicações.
Essa é a diferença maior entre o Brasil e a civilização: aqui, os poderosos de turno se acham donos do poder, não empregados do público que os paga.

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