Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 02, 2007

Merval Pereira - Direito da minoria




O Globo
2/8/2007

O presidente Lula está claramente abalado com as vaias que vem recebendo desde a abertura do Pan no Rio, tanto que, além da fisionomia carregada mesmo quando quer aparentar indiferença, faz comentários absurdos sobre supostos golpes que estariam sendo tramados pelos que promovem as vaias. Chegou a lembrar o golpe de 1964, afirmando que quando vê criticarem o Congresso agradece a Deus por ele existir e estar funcionando, pois, sem ele, como nas ditaduras, é muito pior. Nesse ponto, é bom lembrar algumas atitudes recentes, e também algumas nem tanto, que mostram que ele defende posições que lhe convém, dependendo do momento político, sem a menor preocupação com a coerência.

Quando deixou de ser deputado constituinte, Lula recusou-se a se candidatar novamente a deputado federal, alegando que havia no Congresso pelo menos 300 picaretas. A frase virou exemplo de virtude de Lula, em contraste com a corrupção política desenfreada que ele constatara na sua atuação parlamentar. Os 300 picaretas viraram mote de letra de música famosa, e o desabafo de Lula ficou na história como exemplo de que, uma vez chegados ao poder, ele e o PT limpariam a vida política deste país.

Eleito presidente da República, um dos primeiros atos seus foi criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), formado por representantes de diversos setores da sociedade. O Conselhão foi denunciado como uma tentativa de ultrapassar o Congresso, apresentando a ele as reformas institucionais já aprovadas para simples homologação.

A reação dos políticos foi imediata, e o governo abortou a manobra, que teve como seu primeiro comandante o hoje ministro da Justiça, Tarso Genro. Tarso é defensor da ampliação da consulta direta ao povo por meio de plebiscitos e referendos, a democracia direta superando a representativa, ou complementando-a, como gosta de dizer, outra maneira de reduzir a importância do Congresso.

Agora mesmo o governo parte para tentar viabilizar uma constituinte exclusiva a fim de aprovar uma reforma político-eleitoral como a solução para todos os nossos males. Uma medida aparentemente boa, pela qual até me bati tempos atrás, mas que ficou contaminada politicamente pelo uso que dela fizeram os governos neo-populistas de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia, transformando-se em democracias meramente formais, com a predominância do governo central sobre os demais poderes da República.

São parceiros muito próximos do governo Lula para que não se acenda uma luz de advertência diante da proposta. Os primeiros passos já foram dados, com consultas seletivas a deputados e senadores. O próprio presidente Lula, em uma reunião recente do CDES, defendeu a reforma política, o que foi considerado por setores políticos como uma tentativa de buscar apoio na sociedade civil para uma reforma que acabara de ser rejeitada pelo Congresso.

O presidente Lula e sua base aliada, especialmente o PT, tinham que conviver melhor com as críticas, com o protesto de parcela da população, mesmo que as pesquisas de opinião mostrem que ele tem apoio da maioria no momento. Ele tem que se acostumar a ser contestado pela minoria, pois é o direito da minoria de protestar, de reclamar, que faz a democracia.

Não faz o menor sentido Lula dizer que quem o está vaiando é quem ganhou mais dinheiro em seu governo, como se isso fosse razão somente para aplausos. Assim como transformou o Bolsa Família numa máquina de colher votos dos mais desprotegidos, em vez de um instrumento de inclusão social permanente.

Ele simplifica as relações entre governantes e governados, transforma essa relação em uma mera troca de favores por apoio político, e é essa banalização da política. Isso está levando o país a uma situação paradoxal de bem-estar momentâneo da população, que pode ser o gerador de altos índices de popularidade; e um mal-estar permanente, que pode gerar essas manifestações contra o governo que começam a surgir pelo país.

Ontem, o sociólogo Antonio Lavareda, da MCI consultoria, analisou no programa de Ricardo Boechat, da Bandnews, uma pesquisa internacional de opinião mostrando dados impressionantes e que podem explicar essa situação paradoxal a que me refiro. Embora a satisfação dos brasileiros com a vida tenha subido de 43% para 63% de 2002 para cá, apenas 17% se dizem satisfeitos com os rumos do país.

Da mesma forma, se 88% dizem que a vida vai melhorar nos próximos cinco anos, 64% dizem que a vida dos seus filhos será pior do que é hoje. Resumo de Lavareda: otimismo no curto prazo e pessimismo no longo. O mais grave é que a corrupção dos políticos é apontada por 71% como o grande problema nacional e a razão dessa descrença no país no longo prazo.

Ao mesmo tempo, o presidente Lula monta a mais ampla, heterogênea e disparatada base aliada no Congresso. No primeiro mandato às custas do mensalão, e nesse segundo loteando cargos públicos numa escala nunca antes vista neste país, desmoralizando a política.

O presidente Lula precisa começar a se acostumar com o fato de que uma parte ponderável da população não gosta de seu governo, e por motivos que nada têm a ver com golpismo. Existe a alta carga tributária, existe a ineficiência administrativa do governo, existe a falta de segurança, existe a falência das políticas públicas, especialmente na saúde e na educação, existem enfim diversas razões para não se gostar do governo Lula, um direito da minoria, que um dia pode voltar a ser maioria. Assim como o PT já foi minoria e hoje está no poder.

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