Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 02, 2007

Disparates nos salários do governo



artigo - Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo
2/8/2007

No domingo este jornal publicou nova matéria sobre a disparada dos gastos de pessoal do governo. E também sobre disparates neles, aos quais acrescentarei outros. A fonte da reportagem é a Secretaria do Tesouro Nacional e os dados cobriram a variação entre 2002 e 2006 na administração pública do País, abrangendo os governos federal, estaduais e municipais, exceto empresas estatais.

Começando pela disparada, nesse período as despesas de pessoal avançaram 54,3%, para uma inflação acumulada de 37,7%. Ou seja, um forte crescimento real que veio da expansão do número de funcionários e dos aumentos reais dados a parte deles.

A maior expansão veio e continua ocorrendo no governo federal, com sua política de expandir quadros concursados e de criar cargos comissionados para quadros partidários, assuntos não tratados pela reportagem. O governo federal tem obtido mais recursos dado o forte crescimento da arrecadação, sob a forma de contribuições que não compartilha com Estados e municípios.

A propósito, no portal da mesma fonte se verifica que no mesmo período a expansão dos gastos salariais do Executivo, do Ministério Público, do Judiciário e do Legislativo federais foram de 52,2%, 90,6%(!), 86,8%(!) e 90,9%(!), respectivamente. Uma disparada disparatada.

A reportagem também aponta essa forte expansão dos gastos no Legislativo e no Judiciário, ainda que apenas nos Estados, dentro do que chama de “contabilidade criativa para se autoconcederem reajustes salariais”. Também se constata que, de um modo geral, os limites que a Lei de Responsabilidade Fiscal fixa para as despesas de pessoal são cumpridos, mas isso se explica mais pelo crescimento da arrecadação.

Passando a outros disparates que a matéria aborda, ela aponta que os servidores públicos ganham em média duas vezes mais que os trabalhadores do setor privado com carteira assinada, os quais mal conseguiram repor a inflação desse mesmo período. Também é sabido que os servidores públicos têm maiores benefícios, como estabilidade no emprego e melhores condições de aposentadoria.

Tanto a disparada como esses disparates são conhecidos, mas sempre é necessário e de interesse público atualizar dados e apontar distorções, o que ressalta o mérito da matéria e o destaque dado pelo jornal, colocando-a na capa da edição.

De fato, estamos diante de um dos problemas mais sérios da administração pública brasileira, o descontrole desses gastos. Falta claramente uma política de administração dos recursos humanos, a qual, além de cuidar do número de servidores efetivamente necessário, também defina formas eficientes de sua gestão, inclusive critérios adequados para a determinação dos seus salários.

A ausência dessa política leva a outros disparates. Na gestão, uma manchete deste jornal no dia 25/7 ilustra um deles: Quase 100 mil servidores federais estão em greve há mais de dois meses. A maioria (84 mil), nas universidades federais, afetando particularmente seus hospitais-escola. Especialistas em paralisações, parece que essas universidades incluíram o grevismo nas disciplinas de seu currículo.

Ainda quanto à política de recursos humanos, uma organização privada ou pública que preze a eficiência na gestão deve buscar os necessários ao bom funcionamento organizacional, dando-lhes estímulos para que desempenhem bem as suas tarefas.

Para saber se uma estrutura de salários segue esses princípios, pode-se compará-la com a de outras organizações. Pode-se também verificar se os salários são suficientes ou exageradamente atrativos, observando o número de candidatos com a qualificação adequada que disputam as vagas disponíveis. Nas empresas essas regras são seguidas trivialmente pelos administradores de recursos humanos.

Esse enfoque também deveria valer para o governo. Nessa linha, uma das distorções mais evidentes é a dos salários iniciais que paga em várias carreiras, às quais jovens recém-formados têm acesso, com valores próximos ou superiores a R$10 mil por mês, não encontrados fora do governo.

Como caso emblemático, há os juízes federais. Consultando a internet, soube de vários concursos em que o salário inicial é de R$ 19.955,40, inconcebível no setor privado, o que atrai milhares de candidatos. E mais: com a decisão de cortar penduricalhos salariais, como adicionais por tempo de serviço, pelo que soube esse piso é também o teto da carreira, o que é outro disparate em termos de administração de pessoal.

Que carreira é essa que em termos salariais se inicia pelo seu final? Como premiar a competência e a experiência? Como dizer que faltam recursos para contratar mais juízes, quando por um valor como esse poderiam ser admitidos pelo menos quatro novos?

Ou seja, gasta-se mal e cada vez mais. E muito pouco para a economia crescer. Outra manchete, esta de ontem, é sintomática disso: Governo economiza em investimentos (Folha de S. Paulo), mostrando, entre outros aspectos, que o já pequeno Projeto Piloto de Investimentos (PPI), do governo federal, recebeu só 10% do total previsto para o ano.

Enquanto isso, como na mesma Folha de ontem, há reportagens que continuam chamando o superávit primário do governo (receita menos despesas, exceto juros da dívida) de “arrocho fiscal” e de “economia feita pelo governo para pagar juros da dívida”. Quem é mesmo arrochado e faz economia são os contribuintes, cansados - viva o “Cansei”! - com a enorme e crescente carga tributária, pois foi principalmente o crescimento dela que permitiu esse superávit.

Truque de mágica financeira, ele esconde dos incautos a gastança que marca grande e má parte da administração pública brasileira, em particular do governo federal.


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