Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 02, 2007

Viva o governo, dane-se a governança



artigo - Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo
2/8/2007

Governo firme está aí. Mal terminou o recesso parlamentar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retomou o loteamento de cargos importantes, sem se curvar aos críticos de seu padrão gerencial. Ele reafirmou seu estilo entregando a presidência de Furnas ao peemedebista Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio de Janeiro. Foi a primeira das novas nomeações para as estatais do setor elétrico. O novo presidente de Furnas poderá realizar, talvez, uma boa gestão, e qualquer prejulgamento é arriscado. Mas esse não é o ponto importante para o governo federal, neste momento - e quase nunca tem sido, quando se trata da atribuição de postos importantes.

O nome de Luiz Paulo Conde foi proposto pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), relator do projeto de renovação da CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Antes de apresentar o relatório, ele cobrou a nomeação do aliado político. Ou o Planalto cedeu ou então ocorreu mais uma notável coincidência na política brasileira. Outras coincidências têm ocorrido, com a indicação de companheiros e aliados para diretorias dos bancos estatais, e a série certamente não está completa.

Uma das façanhas do governo federal, desde o início do apagão aéreo, foi transformar a administração em assunto corrente na conversa política e na pauta da imprensa. O mérito não é só do presidente. Ele teve um papel preponderante, mas foi ajudado pelos dirigentes da Infraero e da Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, e também dos ministros do Turismo, da Fazenda e da Casa Civil. Também colaborou seu assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia. Ele resumiu, de forma brilhante, a escala das preocupações do governo: em primeiro lugar, a imagem presidencial e os interesses político-eleitorais; depois, todo o resto, incluída uma tragédia com 199 mortos.

Esse padrão - viva o governo, dane-se a governança - tem sido reafirmado com uma constância digna dos santos e heróis. O presidente da República deu carta branca ao novo ministro da Defesa e abriu espaço para a discussão sobre mudanças na diretoria da Anac. Em seguida, admitiu a permanência dos diretores, sem tomar a mínima iniciativa sequer para pressioná-los. Se quisesse mesmo afastá-los, poderia fazê-lo sem violar a lei, induzindo-os a pedir demissão. Teria apoio político e moral para isso. Mas prevaleceu a opinião dos padrinhos interessados em manter a diretoria da agência.

O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, teve de engolir essa limitação e de tentar contorná-la com o fortalecimento do Conac, o Conselho Nacional da Aviação Civil. Teve de engolir também a reafirmação, pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, do interesse do governo na construção de um terceiro grande aeroporto na região de São Paulo. Mais uma vez o interesse político de indivíduos ou grupos se sobrepôs às preocupações com a administração e a solução de problemas concretos.

Os problemas concretos, nesse caso, são os da aviação civil. Num país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o avião seria indispensável mesmo se houvesse uma excelente malha de ferrovias e de rodovias. A malha disponível é, em primeiro lugar, insuficiente. Em segundo, é na maior parte precária e mal conservada. Poderia ser melhor, se a participação do setor privado na construção e na manutenção de rodovias e ferrovias fosse muito mais ampla. Mas o governo tem sido incapaz - e também este é um problema gerencial - de avançar nas concessões e nas parcerias.

A mesma pobreza administrativa assola outros setores. O presidente Lula convocou para ontem uma reunião extraordinária do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), para discutir as condições de suprimento até 2011. Por que uma reunião extraordinária, se não falta chuva nem há dificuldade imediata de abastecimento? O governo parece levar a sério, afinal, a advertência de especialista: o investimento avança muito mais lentamente do que seria necessário para afastar o risco de um apagão nos próximos quatro anos. Isso não ocorre por escassez de capitais, mas de um roteiro claro e confiável para empreendimentos grandes e de longo prazo.

O ministro da Fazenda já atribuiu a crise do setor aéreo à prosperidade nacional. A mesma explicação poderá ser adaptada para outras crises, dentro de pouco tempo, se o governo continuar desprezando as tarefas prosaicas da administração. Na escuridão, a ministra do Turismo poderá repetir, com maior sucesso, a recomendação às vítimas do apagão aéreo.

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