Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, agosto 02, 2007

As agências reguladoras



Artigo - JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
Folha de S. Paulo
2/8/2007

O diretor de agência deveria ser passível de demissão pelo Senado, mas nunca pelo presidente da República

O CAOS no setor aéreo, principalmente após o acidente em Congonhas, colocou na ordem do dia a questão da autonomia das agências reguladoras. Como a agência do setor, a Anac, tem sido considerada um dos principais responsáveis pelo problema, devido à incompetência dos diretores, alguns políticos têm demandado a demissão deles por parte do presidente da República ou pelo ministro da Defesa. Como, devido ao princípio da autonomia das agências, esses diretores não podem ser demitidos, a não ser em situações muito especiais, começa-se a questionar o próprio princípio da autonomia desses órgãos. Várias propostas de mudança da legislação no sentido de permitir que seus diretores possam ser demitidos sumariamente pelo presidente têm sido apresentadas.
Essa mudança seria um retrocesso na institucionalidade que rege as agências. Em princípio, a agência reguladora é uma instituição que deveria tomar suas decisões em bases puramente técnicas, sem influência política. Para que isso seja possível, são necessários dois pressupostos.
Primeiro, que seus membros, diretores e técnicos, sejam escolhidos por padrões de conhecimento e competência técnica. Segundo, que, uma vez nomeados, possam tomar decisões autonomamente, sem interferência política, o que exige mandatos fixos para os diretores -que, necessariamente, devem ter as indicações aprovadas pelo Senado- e independência orçamentária. Caso contrário, estarão sujeitos a pressões do Executivo e terão dificuldade de tomar as decisões tecnicamente necessárias para o funcionamento dos setores que regulam.
O problema da Anac é que, segundo analistas, seus diretores foram nomeados por critérios políticos, e não técnicos, e, por essa razão, mostram-se incapazes de lidar com o problema do setor aéreo. Se essa avaliação é verdadeira, tanto o presidente como o Senado devem ser responsabilizados. O primeiro por ter adotado um critério político para indicar os diretores da agência; o segundo por ter aprovado as indicações sem sua análise devida.
Duas lições importantes: a primeira é que agências reguladoras devem ter seus diretores indicados por critérios técnicos, e não políticos, para evitar riscos futuros de incompetência e má gerência em setores fundamentais. Se a principal responsável pela crise do setor aéreo é efetivamente a Anac, os prejuízos dela decorrentes poderiam ter sido evitados caso esse preceito tivesse sido seguido pelo governo.
A segunda lição importante é o papel fundamental do Senado no processo de aprovação e homologação das indicações do Executivo. Cabe à Casa avaliar a qualidade e a competência técnica dos indicados, rejeitar as indicações políticas e, dessa forma, gerar as condições para o bom funcionamento das agências.
Finalmente, o fato de o diretor ter mandato fixo não deveria tornar impossível sua demissão caso seja considerado incompetente. Da mesma forma que a indicação de um diretor tem que ser aprovada pelo Senado, ele deveria ser passível de demissão pelo plenário da própria Casa. Mas nunca pelo presidente da República.
As agências são instituições jovens no país. O arcabouço institucional que regula seu funcionamento pode e deve ser aperfeiçoado com cuidado, para evitar que se tornem um apêndice do Executivo e percam a função reguladora. Usar os problemas decorrentes da incompetência da Anac para introduzir a possibilidade de que os diretores de agências possam ser demitidos pelo presidente ou pelo ministro da área correspondente significaria acabar com sua autonomia. Sem isso, elas perderiam sua função. Seria jogar fora o bebê com a água do banho.

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