artigo - João Mellão Neto |
O Estado de S. Paulo |
17/8/2007 |
O presidente Lula, segundo as últimas pesquisas, conta com a aprovação de mais de 60% do eleitorado brasileiro. Esse extraordinário apoio popular, somado à folgada maioria que o governo tem no Congresso, faz muitos alcoviteiros, no Palácio do Planalto, começarem a cogitar da hipótese de sua reeleição. Para tanto basta enviar uma proposta de emenda constitucional ao Parlamento - que não tenho dúvidas de que seria aprovada - e deixar que as urnas façam o resto. Isso é péssimo para a democracia. Até mesmo no período autoritário, os militares cuidaram religiosamente de manter o rodízio no poder. Por ocasião do 1º de Maio, quando as duas maiores centrais sindicais promoveram atos de apoio ao governo, eu escrevi aqui que, entre outras coisas, o fenômeno representava o início do fim da democracia liberal em nosso país. Democracias fortes não podem prescindir de oposições fortes. Quando estas deixam de existir, está aberto o caminho para governos autoritários. Logo após a tragédia de Congonhas, depois de mais de dez meses de caos aéreo, eis que as pesquisas de opinião demonstram que a popularidade do presidente Lula permanece inabalável. Pudera! Uma ínfima parcela da população (8%) faz uso de aviões e, mesmo assim, esporadicamente. A imensa maioria não relacionou a queda do Airbus às disfunções do governo e, entre os que o fizeram, praticamente todos estão dentro do perfil daqueles cuja opinião sempre foi de reprovação ao governo. Lula é um fenômeno e antes de atacá-lo convém compreendê-lo. Os segmentos de maior renda e escolaridade não o apóiam. O mesmo acontece, em grande parte, com os eleitores da Região Sul e com os habitantes de São Paulo, Estados onde Geraldo Alckmin o bateu nas últimas eleições. Não por coincidência, são locais onde vive a parcela mais esclarecida da opinião pública brasileira. O restante da Nação é lulista, o que lhe garante, na média geral, altíssimos índices de aprovação e popularidade. Lula pode ser inculto, mas não é ingênuo. Ao contrário, é dotado de intuição privilegiada, que foi profundamente lapidada em seus muitos anos de militância sindical e política. Tão forte e patente é seu tino político que a ala intelectual do PT - formada por pernósticos e soberbos professores universitários - não sente nenhum pejo em reverenciá-lo. Para eles, Lula é uma força da natureza. Uma professora-titular da USP, recentemente, chegou a descer de sua respeitável cátedra para afirmar, deslumbradamente: “Quando Lula fala, o mundo inteiro se ilumina!” Lula chegou à Presidência, após três eleições malogradas, graças à sua oratória inflamada e à disciplinada, competente e entusiasmada militância de seu partido, o PT. Não houve, na História do Brasil, um partido de massas cujos membros fossem tão convictos e idealistas como o PT o foi até chegar ao poder. Mas, se sobrava entusiasmo, faltavam experiência e projetos minimamente viáveis. Lula não demorou a perceber essas deficiências. Ainda antes de tomar posse, contrariou inúmeros setores do partido ao anunciar que sua política econômica seria uma continuidade da de seu antecessor, fundada no quadripé juros altos até quando for necessário, câmbio e preços livres, superávit primário nas contas públicas e respeito incondicional aos contratos. Ora, são estes os pilares básicos da economia de mercado, tachada por seus detratores como “neoliberal”. Ao mesmo tempo, o presidente constatou que as políticas sociais idealizadas pelos intelectuais do PT, na prática, eram inviáveis. O Fome Zero, por exemplo, até hoje não passou de mero slogan. Novamente Lula, sempre pragmático, tratou de se valer das experiências do governo anterior. Havia, então, três programas de transferência de renda às camadas mais carentes da população: o Bolsa-Escola, que garantia uma remuneração mínima às mães que mantivessem seus filhos na escola; o Bolsa-Alimentação, que fazia o mesmo com as mães que levassem seus filhos regularmente aos postos de saúde; e o Vale-Gás, que subsidiava gás de cozinha para as famílias reconhecidamente desvalidas. Lula fundiu os três programas em um só, deu-lhe o nome de Bolsa-Família, multiplicou a sua abrangência e o resultado está aí. O programa é o principal - se não o único - pilar de sustentação dos altíssimos índices de aprovação do governo. O governo Lula não é de esquerda. A sua política econômica é austera, Programas de transferência de renda eram defendidos até por Milton Friedman, o papa do pensamento neoliberal, o comando das pastas da Saúde e da Educação está nas mãos de ministros técnicos e Lula só faz concessões às alas esquerdistas que o apóiam nas áreas de Relações Exteriores e Reforma Agrária. Lula, definitivamente, não é a quimera que tanto nos assombrou em 2002, ano em que, pela primeira vez, venceu as eleições. Ele merece ser celebrado muito menos pelo que fez do que por aquilo que se absteve de fazer. O simples fato de não ter mexido na política econômica legada por FHC é um feito que merece rojões. Em grande parte auxiliado pela conjuntura externa altamente favorável, ele pode agora colher os frutos de sua decisão, com os bons indicadores que a economia apresenta. Por outro lado, no restante, a sua gestão deixa muito a desejar. O Estado foi totalmente loteado entre os companheiros do PT e dos partidos aliados, sem que fosse levada em conta a qualificação dos indicados. Nenhuma das urgentes reformas de que a Nação necessita foi ou será empreendida neste governo. A infra-estrutura física do País, por abandono, está totalmente sucateada. A Lula, decididamente, falta vocação para estadista. Não tem a determinação dos predestinados e é incapaz de promover revoluções porque, por temperamento, tem na inércia a sua principal aliada. Seu nome não ficará na História, porque esta não dá guarida aos pusilânimes. Resta-lhe um único consolo: ele sempre será lembrado como um exemplo a não ser seguido.
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Entrevista:O Estado inteligente
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