Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 03, 2006

Uma agenda econômica para o 2º turno

Uma agenda econômica para o 2º turno

Artigo - Ilan Goldfajn
O Estado de S. Paulo
3/10/2006

Nas próximas semanas deve acirrar-se o debate sobre a “Operação Tabajara”, o escândalo da negociação do dossiê que visava a alterar o favoritismo na corrida para o governo de São Paulo, mas involuntariamente alterou (ou “melou”, na linguagem dos inocentes) outra corrida, a presidencial. Seria desejável que também houvesse espaço para discutir outras questões, já que o escândalo do dossiê, e outros da mesma natureza, os ânimos políticos certamente não irão deixar arrefecer. Na economia, seria bom debater o aparente (e falso) consenso sobre o futuro, de forma a evitar políticas que mudem o que vem dando resultado e/ou não avancem o necessário para pôr a economia na rota do crescimento sustentado.

Na economia, vários analistas, especialmente estrangeiros, têm tido uma visão Coca-Cola x Pepsi-Cola do futuro governo. Não importa quem venha a comandar a economia, o gosto seria o mesmo. Os alicerces da política econômica não serão modificados - câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação - e o resto, bom, o resto não faz tanta diferença, assim pensam. No limite, quando a disputa fica muito acirrada, os mercados financeiros têm reagido mais ao risco para a governabilidade do que à escolha em si.

Mas não há consenso sobre o diagnóstico ou as mudanças necessárias na economia para alavancar o crescimento. No limite, há também o risco de políticas, revestidas de boas intenções, que levem ao retrocesso. Listo, abaixo, uma série de assuntos na área de economia em que seria interessante aprofundar o debate.

Diagnóstico - Existem entraves ao crescimento econômico que vão além do binômio juros altos e câmbio apreciado, que mais refletem os problemas da economia do que os causam. O nó básico do crescimento no curto e no médio prazos é a conjunção de uma carga tributária extremamente elevada - necessária para financiar gastos públicos crescentes - com outros entraves à produção e ao investimento (como burocracia, ineficiência jurídica, regulatória, infra-estrutura falha e outros problemas de governança que nos põem na rabeira dos diversos índices de competitividade no mundo). O resultado é um investimento limitado e um crescimento baixo. No longo prazo, o problema é a necessidade de elevar a qualidade da educação no Brasil. Problemas de governança existem em várias economias emergentes (ou alguém tem ilusão sobre a facilidade de fazer negócios na China ou na Rússia?), mas a combinação desses entraves com uma carga tributária elevada parece ser unicamente brasileira. Esse diagnóstico deve ganhar força caso os juros continuem a cair nos próximos meses e anos (como conseqüência do sucesso no combate à inflação) e o crescimento não reaja de acordo com as expectativas. Seria bom anteciparmos esse debate.

Gastos públicos e reformas - A redução na carga tributária (ou pelo menos o seu não-crescimento) requer equacionar o aumento dos gastos públicos. Já há sinais de boas intenções em diversos pontos do espectro político, como, por exemplo, na intenção do atual governo, caso reeleito, de reduzir lentamente os gastos públicos como proporção do produto interno bruto (PIB) nos próximos anos. A capacidade de aprovar as reformas é essencial. Neste sentido, preocupa a recente afirmação do atual ministro da Fazenda - recém-convertido à lógica, antes rudimentar para alguns, do projeto fiscal de longo prazo - de que continua não convencido da necessidade da reforma da Previdência, apesar do consenso entre os especialistas.

Entraves, gestão e reformas micro - A qualidade da gestão é essencial, não somente para reduzir o crescimento dos gastos públicos de forma racional, mas também para reduzir os entraves à produção e ao investimento em várias áreas. A agenda microeconômica não pode ficar perdida, como afirmou recentemente um alto funcionário do governo, responsável pela área em que muito tem sido perdido ultimamente.

Educação, transferências e crescimento - Poucos discordariam da necessidade de reduzir a pobreza e a desigualdade no Brasil. Mas de que forma deve ser abordada? Qual é o impacto da educação versus programas de transferência (e/ou aumento de salário mínimo) na redução da pobreza e da desigualdade no longo prazo? E, se os aumentos do salário mínimo e/ou das transferências comprometerem o crescimento, qual seria a combinação ideal? (Hoje vivemos a fase do distribuindo antes de crescer, após nosso passado de crescimento para depois distribuir.)

Inserção internacional - Não há dúvida de que nessa área há diferenças de opinião relevantes. A inserção internacional com ênfase no combate romântico e terceiro-mundista pôs o Brasil na sombra do Hugo Chávez, imbatível nessa retórica. É essencial voltar ao pragmatismo para conquistar mercados internacionais para as exportações, a exemplo de inúmeros países emergentes na atualidade.

Em suma, não compartilho a idéia de que há um consenso amplo sobre a economia e que o rumo da economia já está traçado, independentemente do seu futuro comando. Apesar das dificuldades políticas naturais em abordar temas que envolvem perdas para determinados grupos, há muito que debater na economia. Existe o risco de não avançarmos, o que significa delinearmos um futuro mexicano para nossa economia (como descrevi no meu artigo do mês passado): menos vulnerabilidades, juros e inflação baixos, mas crescimento medíocre. Existe, também, com menor probabilidade, o risco de retrocesso, se políticas revestidas de boas intenções vierem involuntariamente a corroer o conquistado até agora. Seria uma típica “Operação Tabajara” na economia, que nos levaria, inesperadamente, a um segundo turno de dificuldades.

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