Imagens e figuras do nosso tempo
Aviões que batem em arranha-céus, debates eleitorais na TV, candidentes e presidatos
Repetiu-se na semana passada, e ainda por cima em Nova York, a imagem de um prédio atingido por avião. Arranha-céus atingidos por aviões viraram a imagem por excelência do terror em nossa era. Outros eventos podem até produzir mais vítimas, mas não serão tão impressionantes. Fica-se pensando se os EUA iriam à guerra, em seguida ao 11 de setembro de 2001, não fosse a imagem. Osama bin Laden não entrou para a história só como o autor de um dos maiores atentados terroristas. Também ficou com o supremo prêmio do marketing terrorista. Este é um tempo de velocidade e de urgência. Quanto mais venham as coisas compactadas numa imagem-síntese, mais efetivas.
Um arranha-céu e um avião são símbolos dessa coisa que no século XX, com o fátuo entusiasmo dos deslumbrados e a imodéstia dos que supõem que nada poderia vir depois, foi chamada de "modernidade". Até o século XIX, sem este esquecido mas fundamental artefato do progresso que é o elevador, os prédios não passavam dos seis andares, e objetos voadores eram rústicos como a passarola do padre brasileiro Bartolomeu de Gusmão. Um avião e um arranha-céu com o qual ele se choca, destruindo-se ambos mutuamente, compõem a imagem da "modernidade" devorando e aniquilando a si própria – tanto mais impressionante quanto, como no 11 de Setembro, produzida em nome de ideais da Idade Média. O caso da semana passada não passou de acidente, e não morreram senão os dois ocupantes de um pequeno avião. Mas a imagem estava lá. Um buraco foi aberto no 30º andar de um sólido gigante de 42 andares. Chamas se seguiram. São o buraco e as chamas que assombram nosso tempo.
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Debates na TV entre candidatos a presidente também são um marco do nosso tempo. Neles se concentra a expectativa de que uma eleição apertada enfim se defina. Não só os contendores ali se apresentam finalmente reunidos, cara a cara. Mais importante é que o fazem em frente às câmeras da televisão, sem cuja presença nem a imagem de um avião contra um arranha-céu, por mais simbólica e trágica que seja, valeria o que vale. O problema é que, no Brasil como alhures, ainda não aconteceu de um candidato dar um soco no outro. Nem de um candidato, diante da irrespondível argumentação do adversário, apresentar sua rendição, ao vivo e em cores: "Você tem razão. Eu estava equivocado. Agora não há mais dúvida de que você é o melhor. Eu mesmo lhe darei meu voto".
Na ausência de desfechos semelhantes, os debates deixam mais sombras do que certezas. Mesmo o mito fundador dos debates televisados, o de John Kennedy contra Richard Nixon, em 1960, hoje se esfumaça na dúvida. Nixon na verdade foi melhor, reza uma das vertentes revisionistas. Kennedy teria ganho com ou sem debate, pois já tinha empolgado o país, reza outra. Durante muito tempo, o deslumbramento com o novo veículo obscureceu o julgamento sobre a efetiva capacidade de o debate televisado determinar o resultado da eleição.
Na versão piedosa, o debate é apresentado como a melhor ocasião de os candidatos definirem seus programas. Tal justificativa esconde o verdadeiro propósito, que é pugilístico. Alguns debates acabam descambando mesmo para uma exposição de programas, e com isso afundam no tédio, tão mais acentuado quanto os candidatos se mostrem dispostos a se enquadrar naquilo que os apresentadores chamam de "alto nível". Outros conseguem encaixar-se na desejada categoria de pugilísticos. Foi o caso do debate entre Lula e Alckmin na Rede Bandeirantes. Por isso mesmo foi considerado um sucesso por seus promotores. O pugilato teve um resultado claro: Alckmin venceu. Lula saiu massacrado. O problema é que...
...será que o vencedor venceu? Ou, por outra: será que uma vitória incontestável como a de Alckmin, que encurralou o adversário, chamou-o de mentiroso e acusou-o de corrupto, tudo sem respostas convincentes, vale o cinturão de ouro, como as vitórias dos campeões do boxe? Ou teria ele ultrapassado a linha a partir da qual a pancadaria desloca as simpatias para a vítima? O que para alguns se desenrolou como empolgante duelo para outros pode ter soado tão constrangedor como uma briga entre dois convidados na sala de sua casa.
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O leitor Marcos Ambrogi observa que o instituto da reeleição, tal qual concebido, "num devaneio monárquico", por Fernando Henrique Cardoso, legou-nos duas figuras ambíguas, reunidas na mesma pessoa: o candidente e o presidato. Ou, para ser mais claro, o candidato-presidente e o presidente-candidato. "Quando o candidente sobe num palanque permite-se não importa o quê, posto que candidato", argumenta o leitor. "Quando o presidato é acossado por suas trapaças e seus 'não sabia', isso passa a ser considerado ofensivo ao presidente." O leitor pede encarecidamente que se esclareça qual o critério, qual a senha a que se deve agarrar o observador para saber, em cada momento, se está diante do candidente ou do presidato.