Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 14, 2006

Prêmio contra a miséria


O Nobel da Paz e o de Economia
vão para economistas que revolucionaram as idéias
de como produzir riqueza


Chrystiane Silva


Brendan Mcdermid/Reuters
Pavel Rahman/AP
Edmund Phelps, de gravata, mostrou que inflação não cria emprego. Yunus, ao lado, empresta dinheiro aos pobres

O Prêmio Nobel da Paz deste ano foi surpreendente. Em lugar de ser entregue a alguém envolvido em negociações para colocar fim a um conflito armado, como era de esperar, a premiação foi concedida a um banqueiro. Mais exatamente ao "banqueiro dos pobres", como é chamado Mohammad Yunus, o Prêmio Nobel da Paz de 2006. Criador de um revolucionário sistema de concessão de microcrédito, Yunus já emprestou dinheiro a 7 milhões das pessoas mais miseráveis do planeta, a maioria delas moradores de Bangladesh, um dos países mais pobres do mundo. Há um claro paralelo entre a concessão do Nobel da Paz, na sexta-feira passada, e a do Nobel de Economia, anunciado dias antes. O premiado, Edmund Phelps, da Universidade Colúmbia, em Nova York, é autor de outra revolução ao demonstrar que a inflação não diminui o desemprego nem impulsiona o crescimento das economias. Phelps derrubou a principal justificativa para a tolerância com a inflação e levou os bancos centrais a agir de forma mais intensa para manter a estabilidade dos preços. O que há em comum entre os dois? A contribuição para o entendimento e erradicação da pobreza.

Até os anos 60, os economistas acreditavam que o aumento da inflação tinha o efeito de reduzir os índices de desemprego. Teoricamente, isso aconteceria porque, como os salários ficavam mais baixos em relação aos preços dos produtos e serviços, as empresas ganhavam fôlego para contratar mais gente. Essa teoria, conhecida como curva de Phillips, dava aos governos a idéia de que poderiam escolher um equilíbrio aceitável entre desemprego e inflação. Se ocorresse algum desvio do nível predeterminado, eles poderiam fazer um ajuste fino na economia, mexendo nos impostos, nos gastos públicos ou nas taxas de juro. Phelps demonstrou que a expectativa de elevação dos preços no futuro faz com que os empregados pressionem por aumentos de salário. Ou seja, a simples expectativa de inflação impede novas contratações. A longo prazo, a inflação, ao contrário do que sugeria a curva de Phillips, diminuía a oferta de empregos. Os trabalhos de Phelps tiraram essa área da economia da idade das trevas e deram início aos esforços de desenvolvimento sustentado pelo aumento da produtividade, e não mais pela tolerância com a inflação. Devemos a Phelps a noção de que o imposto inflacionário é o mais cruel e regressivo de todos, pois tira dos pobres e dá aos ricos. Fora um ou outro país africano, a inflação alta é um mal que foi erradicado do planeta.

A atuação de Muhammad Yunus é menos abrangente em seu escopo teórico e nos benefícios que trouxe a parcelas mais pobres da população mundial. Em sua própria definição, Yunus está tentando transformar o círculo vicioso de "baixa renda, baixa poupança, baixo investimento" no círculo virtuoso de "baixa renda, injeção de crédito, investimento, mais renda, mais poupança, mais investimentos, mais renda".

Professor de economia na Universidade Chittagong, no sul de Bangladesh, Yunus criou o Banco Grameen (aldeia, em bengali), em 1976. Seu cliente é aquele que não consegue cumprir as exigências do sistema bancário convencional. Mais de 90% dos empréstimos são concedidos a mulheres. Há uma razão para isso: elas são vistas como mais centradas que os homens no bem-estar da família. Os juros cobrados por Yunus, em torno de 20% ao ano, não são baixos, mas são compensados pela facilidade na obtenção do empréstimo. O banco não pede hipoteca nem fiador, e ainda assim a inadimplência é muito baixa. O empréstimo é dado a grupos de quatro pessoas. Assim, o mau pagador é pressionado pelos demais, que não querem perder o crédito. O sistema criado por Yunus, imitado em vários países, tem o mérito de incentivar o empreendedorismo. A Fundação Nobel entendeu que Yunus e seu banco mereciam o prêmio da Paz porque as soluções contra a pobreza são armas poderosas para reduzir um tipo bastante específico de violência. Explica o norueguês Sverre Lodgaard, um dos membros do comitê que escolheram o vencedor: "Mais pessoas morrem vítimas da pobreza por ano do que nas guerras".

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