Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 13, 2006

Os temas econômicos da campanha eleitoral


Coluna - Claudia Safatle
Valor Econômico
13/10/2006

Três temas emergiram no debate eleitoral do segundo turno, ao lado da questão ética : o ajuste fiscal, a política cambial e as privatizações. No primeiro, os dois candidatos - Lula, do PT, e Alckmin, do PSDB - convergem, embora divirjam na aparência; no segundo, divergem mas não tanto; e o terceiro vem sendo tratado pelo PT, que nas duas primeiras questões passou por um processo de evolução, como uma ameaça, uma denúncia contra o candidato do PSDB.

Tanto Guido Mantega, ministro da Fazenda, quanto o economista Yoshiaki Nakano, que tem papel relevante na elaboração do programa econômico de Geraldo Alckmin, já disseram que a política fiscal deve ser pautada pelo corte nos gastos públicos e ambos os candidatos têm como objetivo zerar o déficit nominal das contas públicas (que inclui a diferença entre receitas e despesas correntes e a conta dos juros da dívida) ao final dos quatro anos de mandato.

O déficit nominal totaliza hoje cerca de 3,54% do PIB, ou seja, pouco mais de R$ 60 bilhões. A rigor, isso não significa que o próximo governo terá que fazer um corte de gastos nessa exata proporção. O raciocínio que ampara esse objetivo é que ao anunciar um programa fiscal crível de longo prazo, os mercados antecipariam seus efeitos benéficos, abrindo espaço adicional para uma queda mais acentuada da taxa de juros, o que aumentaria a possibilidade de crescimento econômico, formando, assim, um círculo virtuoso que levaria à zeragem do déficit nominal sem grandes violências.

A despeito de tudo isso, porém, o novo presidente da República terá que patrocinar um corte de bom tamanho nas despesas correntes assim que tomar posse, sob pena de não ter como cumprir a meta de superávit de 4,25% do PIB em 2007. Embora esse seja um tema difícil de ser tratado durante uma campanha eleitoral sem que sobre ele se faça terrorismo, ambos os lados - PT e PSDB - estão cientes de que não escaparão dele após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais. Mas isso não significa que seja necessário um corte de R$ 60 bilhões no primeiro ano de mandato. Este nem é factível, porque as despesas discricionárias, que representam o somatório do gasto que não tem receitas vinculadas por lei, podendo, portanto, ser objeto da tesoura, é de apenas R$ 90 bilhões.

A questão cambial é delicada e o pior que se pode fazer é sugerir mudanças no regime de taxas flutuantes. O PT aprendeu que quanto mais sólida a economia de um país, mais valorizada será a sua moeda. Mantém o sistema de flutuações sujas, com intervenções sistemáticas do Banco Central no mercado de câmbio e pretende continuar assim, acumulando reservas cambiais. Admite mexer na estrutura tributária de vários setores para compensar a perda da desvalorização da moeda como instrumento de competitividade internacional. E avalia que quando resolvida a maior distorção da economia - os elevadíssimos juros domésticos - será reduzida a diferença entre estes e os juros externos, removendo um dos grandes incentivos ao ingresso de dólares, que é o ganho de arbitragem.

Sanear bancos federais custou R$ 62 bilhões
Paralelamente, o círculo virtuoso que se iniciaria com a adoção de um programa fiscal de longo prazo tornaria a economia brasileira ainda mais atraente ao capital estrangeiro. A avaliação do PSDB não difere muito disso e as equipes de economistas de ambos os candidatos sabem que podem atuar de forma mais lateral, retirando entraves logísticos e reduzindo tributos, além de prosseguir no processo de acumulação de reservas cambiais que o Banco Central tem feito de forma acentuada desde abril. Em debate na FGV do Rio, terça-feira, Nakano sugeriu taxa de câmbio administrada a partir de um fundo de estabilização criado no Tesouro Nacional para isso e, se necessária, a adoção temporária de controle de fluxo de capitais. Idéias que ele tem defendido há tempos e que não são consensuais entre os economistas envolvidos na campanha de Alckmin.

Assim, até onde se pode enxergar, não há divergências marcantes entre os dois programas que venham resultar em rupturas no que se refere a esses dois temas, fiscal e cambial.

No primeiro debate, Lula acusou Alckmin de, se eleito, querer privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, a Petrobras e os Correios. Um tema ameaçador para os funcionários dessas companhias e que foi desmentido pelo candidato do PSDB. Lula tem insistido nessa tecla como um mantra para assustar eleitores incautos. É bom deixar claro, porém, que a privatização não é um pecado mortal nem venial e deveria, sim, ser objeto de discussão política tendo como fundamento uma posição clara sobre que papel o Estado deve desempenhar.

O programa de saneamento dos bancos federais custou ao Tesouro e, portanto, aos contribuintes, R$ 62,4 bilhões, de 2001 para cá. Foram R$ 54,7 bilhões para a Caixa Econômica Federal, R$ 13,15 bilhões para o Banco do Brasil, R$ 2 bilhões para o Banco do Nordeste e R$ 1,3 bilhão para o Banco da Amazônia. A cifra equivale a todo o déficit nominal do setor público, é mais de quatro vezes o orçamento de investimentos em infra-estrutura previsto para 2007 (R$ 13,5 bilhões) e quase o triplo da receita obtida com a privatização das 12 empresas da antiga Telebrás (R$ 22 bilhões).

Está certo que esse "rombo" não foi produzido só por administração temerária dos bancos federais que traziam, também, problemas de uma economia em frangalhos e em estado de hiperinflação. Mas a concessão de créditos por critérios políticos, sem a menor preocupação com os riscos, a ocupação das diretorias dessas instituições por vínculos partidários, negligenciando a boa formação técnica, são males que a sociedade paga sem saber, por meio de programas cujo custo não é transparente. Pode-se chegar à conclusão de que é melhor ter do que não ter bancos públicos, mesmo sabendo que vira e mexe seus dirigentes são flagrados cometendo irregularidades financeiras ou quebrando sigilo de correntistas, como ocorreu este ano na CEF e no BB. Mas é preciso ter ciência de que estes, se ajudaram no desenvolvimento, também já custaram muito ao país.

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