Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 05, 2006

Merval Pereira - Política biônica

Merval Pereira - Política biônica


O Globo
5/10/2006

Ao aceitar o apoio da família Garotinho sem constrangimentos, e mesmo com certo ar de satisfação, o candidato tucano Geraldo Alckmin não recebeu o "beijo da morte", como previu o prefeito do Rio, Cesar Maia, mas perdeu um bom argumento contra Lula no quesito ética na política. Quando insinuava que Lula andava em más companhias, repetindo o ditado popular "dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és", Alckmin apontava o dedo para figuras como Newton Cardoso, Ney Suassuna, Jader Barbalho e todos os mensaleiros e sanguessugas que povoam os palanques de Lula nesta campanha presidencial. É verdade que o argumento já era fraco, pois boa parte dessa turma do PMDB que hoje apóia o governo Lula já apoiou o governo Fernando Henrique, e muitos foram até ministros.

Agora, com o apoio de Garotinho, é que Alckmin já não pode se diferenciar do oponente nesse quesito, que é um dos pontos nevrálgicos de nossa política. Essa crise instalada na candidatura Alckmin por causa da reação de Cesar Maia e da sua candidata ao governo Denise Frossard, que se recusaram a continuar apoiando-o, é exemplar desse verdadeiro samba do político doido que está instalado pelo país.

Quando o candidato do PMDB do Rio, Sérgio Cabral, aceitou sem pestanejar o apoio do presidente Lula, estava traindo politicamente seu "padrinho", o ex-governador Garotinho, que já declarara que contra Lula faria qualquer acordo. Mas Lula teve quase metade dos votos no Estado do Rio, e é um reforço importante para Cabral. O movimento do grupo de Garotinho em direção a Alckmin, além de ser, do ponto de vista dele, a alternativa natural, representava também uma vingança contra Cabral.

Se a ex-juíza Denise Frossard tivesse ficado quieta no seu canto, poderia até ser beneficiada por essa briga nas hostes inimigas. Mas ela foi açodada, como bem definiu o presidente do PPS, Roberto Freire, e rompeu com a candidatura Alckmin, certamente insuflada por Cesar Maia. Mais experiente, Maia apenas se afastou da campanha, enquanto Frossard passou a defender o voto nulo.

Ela poderia simplesmente anunciar que em seu palanque Garotinho não subiria, e continuar a ter o apoio de Alckmin para se confrontar com Sérgio Cabral. Sozinha, pode ter ganhado alguns tantos votos por sua posição ética, mas perdeu um palanque importante.

Dificilmente Alckmin perderá mais votos do que ganhará com o apoio de Garotinho, e essa conta ele deve ter feito antes de aceitar esse tipo de aliado. Tanto ele como Lula andam fazendo qualquer negócio por um voto, e nesse pragmatismo acabam mesmo se igualando. Mas não é esse tipo de ética que está em discussão primordialmente nesta campanha.

O mais grave é a maneira de fazer política adotada pelo PT ao longo de sua vida, que desmente, com fatos e fotos, a propalada condição de defensor da moral e dos bons costumes políticos. E coloca em risco a democracia. Quando Lula diz que quer discutir ética e corrupção com Alckmin, seria bom que quisesse mesmo, e que não apenas, como tudo indica, esteja ameaçando o adversário para que ele não levante o assunto.

Lula está fazendo com Alckmin o mesmo que Collor, seu mais novo aliado, fez com ele no famoso debate de 1989, quando deixou uma pasta em cima do púlpito com provas de supostas acusações contra Lula. Nunca se soube do que se tratava tal dossiê, mas o fato é que Lula amarelou naquele debate.

Agora, Lula e seus aliados anunciam que têm cobras e lagartos para soltar contra os tucanos, mas esbarram nas próprias pernas. Quando Ciro Gomes cita o escândalo da Sudam como um dos muitos da era FH, finge esquecer que o pivô foi Jader Barbalho, hoje aliado petista, e diz que não quer "fulanizar" as denúncias.

Sem esquecer que o próprio Ciro Gomes foi vítima de um dossiê comprovadamente montado pela equipe de "inteligência" da campanha de Lula em 2002 para derrubá-lo nas pesquisas, dossiê este que Ciro sempre atribuiu a uma ação do tucano José Serra. Agora, o consultor sindical Wagner Cinchetto, em entrevista à revista "Época", relatou como conseguiram fazer com que o dossiê fosse vazado como sendo uma obra dos tucanos contra Ciro.

Esse "samba do político doido" só terá fim quando fizermos uma verdadeira reforma político-partidária, mas não é possível que se queira fazer reforma dessa gravidade no fim de uma legislatura desmoralizada, na qual metade dos deputados não foi reconduzida pelo eleitorado. Uma amostra do que pode conter essa reforma a toque de caixa é a tentativa de contornar as cláusulas de desempenho.

O próprio Tribunal Superior Eleitoral, que deveria zelar pelo cumprimento da lei, tentou ontem uma interpretação completamente absurda. Apenas sete partidos conseguiram alcançar uma votação nacional de 5% para a Câmara, tendo 2% em pelo menos nove estados: PMDB, PT, PSDB, PFL, PP, PDT e PSB.

Pois o TSE interpretou a lei como sendo necessário o partido obter 5% dos votos nos nove estados em que conseguiu 2%. Com isso, PL e PTB, que obtiveram respectivamente 4,37% e 4,72% dos votos nacionais, passariam a ter 7,80% e 8,99%, e superariam as metas mínimas.

Houve uma reação grande, e o TSE promete uma interpretação oficial para hoje. Há também a tentativa de aprovar a figura da federação de partidos depois da eleição, o que é um absurdo. A soma de duas legendas com mau desempenho eleitoral não faz uma com bom desempenho.

Partidos não podem juntar seus votos a posteriori para criar um novo partido, que não foi escolhido pelo eleitorado. E também não é possível formar uma federação de partidos apenas para funcionar no Congresso, sem que os eleitores tenham sido apresentados a ela. Estão criando partidos biônicos.

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