Merval Pereira - Limites |
O Globo |
4/10/2006 |
O presidente Lula afável e que "deixou de dizer aquelas bobagens megalômanas", como bem pontuou Caetano Veloso ontem no blog do Moreno, é o candidato que aprendeu em 2002 que, para ser eleito, precisaria ampliar seu eleitorado para além dos tradicionais 30% do PT, que já não são mais tão tradicionais assim. Mas nada indica que esse "Lulinha paz e amor" criado por Duda Mendonça seja o verdadeiro Lula. Partido urbano, representante de intelectuais e da classe média, incluindo aí o operariado do ABC de onde veio Lula, o PT só chegou ao poder quando conseguiu o apoio de oligarquias políticas nordestinas do PFL e PMDB, que haviam se incompatibilizado em 2002 com o candidato do PSDB, José Serra. Foi com a ajuda de caciques como Antonio Carlos Magalhães, na Bahia, e José Sarney, no Maranhão, que Lula teve uma votação nos grotões que nunca havia conseguido. Mas o PT continuava um partido basicamente urbano, representante de corporações sindicais e do voto de opinião nos grandes centros. A prática política do governo, que aliou corrupção e autoritarismo, foi afastando o PT dos eleitores de opinião e da classe média, ao mesmo tempo em que a dissidência do PFL não durou muito ao seu lado. As políticas assistencialistas do governo levaram o partido para os grotões do país, dispensando a intermediação dos canais políticos tradicionais, e transformaram Lula no mito político do Norte-Nordeste do país, onde reinavam os coronéis que tradicionalmente derrotavam o PT no interior. Nas eleições anteriores que perdeu, uma das maiores mágoas de Lula era ser derrotado pelo eleitorado pobre, que não o aceitava como representante. Hoje, graças ao Bolsa Família, que atinge quase 40 milhões de eleitores pelo país, a maioria no Nordeste, e a uma política de ampliação do crédito e de aumento real do salário mínimo, que levou a algumas regiões mais pobres do país um crescimento médio de padrão chinês, Lula conseguiu tornar esse mercado eleitoral cativo. Esse impressionante domínio de quase 70% dos votos nordestinos, e um predomínio forte no Norte, fizeram com que Lula se imaginasse imune às críticas da opinião pública. Flertou perigosamente com o jeito chavista de fazer política, anunciando em palanques nordestinos que, tendo o povo ao seu lado, não precisava da "elite", que só teria explorado o país nos 500 anos AL - antes de Lula. A tese de que a opinião pública "elitista" já não influenciava o voto das classes mais pobres e menos escolarizadas, que, por causa de Lula, passou a andar com suas próprias pernas, ganhou a chancela dos petistas. Nos momentos mais megalômanos, quando nada parecia deter sua marcha para um segundo mandato, Lula e os seus deixaram escapar comentários e afirmações que, mais uma vez, revelavam o caráter autoritário dos seus projetos. Lula chegou a falar sobre um "demônio" dentro dele que pedia o fechamento do Congresso. O ministro Tarso Genro voltou a insistir na necessidade de disciplinar a atuação da mídia privada, e até um plano para financiamento do que seria uma "mídia independente" andou sendo colocado no programa do segundo mandato, que, depois de denunciado, foi abjurado. Certa vez, o então ministro Luiz Gushiken foi objetivo na análise da nossa situação política: "A sociedade brasileira já deu os limites ao PT", disse ele, se referindo a medidas polêmicas do governo, como o Conselho Federal de Jornalismo, a Ancinav ou mesmo a uma cartilha governamental que ensinava como ser politicamente correto pelos olhos da esquerda - que, aliás, não podia ser chamada de comunista, termo considerado pejorativo -, iniciativas que, segundo ele, não tinham nenhuma intenção autoritária, mas geraram reações da sociedade: "A cada tentativa dessas, a sociedade reage. Está dado claramente o limite". O então presidente do PT, José Genoino, hoje reconduzido à Câmara mesmo depois do escândalo do mensalão, identificou como razão principal da derrota petista nas eleições municipais de 2004 "uma bem-sucedida campanha da oposição para instalar no país um clima antipetista", baseada na acusação de que o partido é autoritário e não sabe fazer alianças políticas. A mistura do público com o privado, prática recorrente no governo petista, com o aparelhamento dos órgãos estatais com apadrinhados políticos do PT e partidos aliados, e também questões triviais, como plantar uma estrela, símbolo do partido, num canteiro do Palácio da Alvorada; levar Michelle, a cadelinha da família da Silva, de carro oficial; ou o uso de aviões e lanchas do governo para passeios de filhos e amigos de filhos do presidente indignaram a classe média e a afastaram do governo Lula. A descoberta do mensalão, que aliava corrupção pura e simples com a tentativa antidemocrática de controlar o Legislativo, e o surgimento, na reta final da campanha eleitoral, da compra do dossiê forjado contra candidatos tucanos, outra tentativa de distorcer o resultado das urnas com trapaças pagas com montanhas de dólares e reais ilegais, marcam até o momento a atuação política do PT no governo Lula. Reavivado o clima, caiu novamente - como já caíra no final de 2005 - a popularidade de Lula, impedindo-o de vencer no primeiro turno. Para vencer, ele precisa voltar a ter um clima ameno no debate político, e por isso as ameaças de retaliação contra o PSDB brandidas pelo deputado recordista de votação Ciro Gomes, uma espécie de língua de aluguel do governo Lula. PSDB e PFL vão precisar se armar de argumentos e fatos para poder atacar, mas também se defender. Se fugirem do debate sobre ética, vão deixar a impressão de que todos são iguais mesmo. Nesse caso, vence Lula. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, outubro 04, 2006
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