Entrevista:O Estado inteligente

domingo, outubro 01, 2006

MERVAL PEREIRA - Governo bipolar

O país que vai hoje às urnas nunca esteve tão próximo de uma crise institucional como agora, seja qual for o vencedor da eleição para presidente. Uma campanha que se previa sangrenta transcorreu pachorrenta e anódina até a entrada em cena dos “meninos aloprados” do PT, que recuperaram para a memória do grande eleitorado atividades ilegais que já viraram marca registrada da ação política deste governo.

A incapacidade de agredir com contundência revelada pelo candidato tucano Geraldo Alckmin talvez tenha dado um ponto de equilíbrio, tanto à campanha quanto ao próprio debate da TV Globo, e no final das contas sirva para que se torne uma alternativa branda a esse banditismo desenfreado que vem dominando a política nacional.

Um segundo turno radicalizado como o que se avizinha — se é que Lula não conseguirá fechar a eleição hoje mesmo — prenuncia quatro semanas de guerra aberta, com um país literalmente dividido, uma divisão que vem sendo incentivada estrategicamente pelo próprio presidente Lula na reta final da campanha, quando a folgada diferença para os adversários começou a se estreitar.

Lula manipula abertamente seu eleitorado cativo falando mal da elite e se entregando nos braços do povo, enquanto se reúne com banqueiros e lamenta que os ricos não votem nele, pois nunca ganharam tanto dinheiro quanto em seu governo. Qual um Robin Hood pós-moderno, Lula tira do estado brasileiro para dar para pobres e ricos, tentando se manter equilibrado nessa corda bamba, baseado em uma frente que tem, num extremo, o setor financeiro, e no outro, os mais pobres. Uma estranha aliança dos rentistas do BolsaFamília com os rentistas financeiros.

Tudo estaria às mil maravilhas se questões como ética e autoritarismo não perpassassem o jogo político, acendendo uma luz de advertência em relação aos reais compromissos democráticos do PT e do próprio Lula. As mesmas elites políticas e econômicas que ajudaram a colocálo no poder em 2002, aí incluída a classe média urbana que sonhava com uma utópica mudança, já há muito estão com um pé atrás em relação ao governo Lula.

Já o resultado das eleições municipais de 2004, que jogou o PT para os grotões muito antes de estourar o escândalo do mensalão, foi uma resposta ao autoritarismo do governo, revelado pela tentativa de controlar os meios de comunicação e as manifestações artísticas.

Mesmo que nesse mesmo ano a classe média tenha sido a mais beneficiada em termos econômicos, e que a desigualdade na distribuição de renda tenha alcançado seu ponto alto.

Naquele momento, para a classe média, as questões intangíveis pesaram mais que a economia na hora do voto.

Mas o crescimento do PT nos grotões já prenunciava o que vinha adiante. Em 2004, o aumento da renda per capita do segmento mais pobre foi de 12%, para um crescimento médio no país de 3%. A revelação de que partidos inteiros eram comprados em prestações mensais nada módicas deixou à mostra outra face do autoritarismo, a tentativa institucional de controlar um poder pela força do dinheiro.

A decepção e o receio diante das evidências fizeram a popularidade de Lula voltar aos índices históricos do PT, que hoje já devem estará abaixo dos 30%. Lula foi à luta para recuperar seu prestígio pessoal armado das vantagens que a Presidência lhe dá, e passou a trabalhar a parte do eleitorado mais vulnerável ao seu carisma e às verbas oficiais.

Uma combinação de políticas assistencialistas com a frouxidão nos gastos públicos permitiu dar um aumento real do salário-mínimo que turbinou o poder de compra dos assalariados e pensionistas, e provocou melhorias reais na vida de uma parcela ponderável da população.

Hoje, ele lidera as pesquisas de opinião ancorado em uma votação espetacular entre os de renda até dois salários-mínimos e os eleitores do nordeste, o que pode fazer a diferença na contagem final.

A discussão ética voltou ao debate talvez muito tarde para uma reviravolta, provavelmente por erro de estratégia da campanha tucana.

Mas, como sempre, coube ao próprio PT trazer de volta o fantasma da corrupção para dentro da campanha presidencial, como a mostrar que essa é a verdadeira índole do partido, e não o Lulinha Paz e Amor, criação imortal de Duda Mendonça paga num paraíso fiscal com dinheiro do valerioduto.

Vencedor no primeiro turno, Lula terá pela frente uma tarefa árdua de montar um governo com um PT esfacelado pelas crises internas e pelas urnas de hoje. O PMDB, que deve sair das eleições pelo menos com o controle da maior bancada da Câmara e o maior número de governadores, se não conseguir manter a maioria também no Senado, será a grande âncora do segundo mandato de Lula, o que não é um bom prognóstico para quem, além do mais, estará sub-judice moral e legalmente.

Um segundo turno, se ocorrer, depurará os últimos acontecimentos políticos, dará quatro semanas para o eleitor reavaliar seu voto ou confirmá-lo, mas também deverá acirrar os ânimos. Nas conversas que vinha tendo com a oposição antes de o clima radicalizar, o ministro Tarso Genro desenvolvia uma teoria sobre as conseqüências dessa radicalização política que tanto pode ser entendida como uma ameaça quanto como um pedido de trégua.

Segundo ele, se a oposição conseguir virar o jogo eleitoral pregando em Lula a pecha de corrupto, não conseguirá governar, tanto pela reação dos movimentos sociais, quanto pela obstrução política no Congresso. Mas se Lula vencer a eleição desgastado politicamente, depois de uma campanha violenta e na base apenas de seu carisma pessoal, também não conseguirá governar, pois lhe faltará base política de apoio no Congresso. Um diagnóstico sombrio, que infelizmente vem se confirmando.

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