O susto de não ter vencido no primeiro turno deixou seqüelas na alma do presidente Lula. Favorito ainda, depois de um debate em que o destaque foi a grande surpresa da agressividade do adversário Geraldo Alckmin, o presidente não relaxou. O resultado da pesquisa do Datafolha, mostrando que ampliou sua vantagem sobre o tucano, não foi o suficiente para acalmá-lo. Fez questão de dizer que acredita em pesquisas, mas não a ponto de se esquecer de que apenas retratam um momento da disputa. E, num dos raros momentos em que não esteve tenso durante a entrevista que concedeu ontem ao GLOBO, relembrou um episódio da disputa de 1989, em que foi derrotado pelo seu mais recente aliado político, o expresidente Fernando Collor.
O comício em Manaus havia sido um sucesso tamanho que ele se convencera de que estava bem na disputa.
Mas os jornais do dia seguinte mostravam na manchete que ele caíra na pesquisa do Ibope. Lula não se esquece daquela ducha de água fria, a mesma sensação que deve ter tido o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, com o Datafolha, depois do sucesso de crítica do debate.
Tecnicamente, o resultado de mais dois pontos para Lula e menos dois para Alckmin (entre os votos válidos) pode estar dentro da margem de erro, e na verdade nada ter acontecido, mas politicamente, a 15 dias da eleição, o resultado é ruim para Alckmin.
Para continuar alimentando o sonho de virar a eleição, Alckmin deveria tirar votos de Lula, e não ao contrário.
Nada está perdido para ele, mas o tempo está ficando curto para mudar o panorama. Além do mais, Lula parece ter descido do salto alto que usou no primeiro turno, e não quer abrir a guarda. Está convencido de que está em meio a uma disputa ideológica, e se sente claramente incomodado em não ser o candidato preferido dos empresários.
A estupefação de seus ministros Luiz Fernando Furlan e Guido Mantega é a mesma de Lula: os empresários ganharam muito dinheiro no seu primeiro mandato, e só uma enraizada diferença ideológica explicaria essa preferência por Alckmin.
O ministro da Fazenda conta que foi a uma reunião com empresários onde, para seu espanto, uma votação mostrou a preferência majoritária pelo candidato tucano.
O presidente se recusa a acreditar que ainda existam dúvidas sobre suas reais intenções à frente do governo, e diz que agradece sempre a Deus não ter sido eleito em 1989, porque, do jeito que pensava naquela época, não daria um bom presidente.
O ministro Mantega garante que Lula acredita mesmo na necessidade de não se gastar mais do que se arrecada, e que não há possibilidade de o governo alterar a política econômica, cujo objetivo é o crescimento com equilíbrio fiscal e controle da inflação.
Lula acredita que há razões ideológicas para esse receio do empresariado, e deixa a entender ao longo da entrevista — que seu secretário particular Gilberto Carvalho classificou de “um embate”, não como crítica, mas para ressaltar a postura democrática do presidente — que a diferença é a sua concepção não-privatista do Estado, e a defesa dos programas sociais de distribuição de renda.
Confrontado com a incoerência que representaria o fato de ter mudado muito desde 1989, ter proporcionado lucros ao empresariado e, mesmo assim, continuar sendo ideologicamente rejeitado pelo que chama de elite do país, o presidente prefere não se estender na sua análise. Mas acrescenta um dado a mais para confundir a discussão: diz que também Delfim Netto não foi eleito deputado federal por uma rejeição da elite.
O presidente Lula não aceita a tese de que o país entrou em crise em 2002 pelo receio dos investidores com a chegada do PT ao poder, nem a de que ainda hoje certas incoerências do governo suscitam dúvidas sobre seu verdadeiro pensamento. Ele recusa a acusação de que aparelhou o Estado com amigos e petistas de maneira geral, e, diante de alguns exemplos, como a nomeação do churrasqueiro Jorge Lorenzetti para a diretoria financeira de um banco estatal, exime-se de responsabilidade, dizendo que a decisão foi do PT de Santa Catarina.
Também se recusa a aceitar que as agências reguladoras precisem ter autonomia, afirmando: “Eu não abro mão de governar o Estado”.
As privatizações parecem ser o marco divisório que ele quer ressaltar na sua concepção de Estado, para se contrapor à dos adversários.
Não reconhece que a telefonia só melhorou devido aos investimentos privados, e diz que não venderia a Vale do Rio Doce, mesmo sem explicar de onde viriam os recursos para fazer dela a empresa que é hoje.
Lula admite que as empresas estatais não davam certo porque os governantes as usavam para interesses políticos próprios, e não vê nexo entre essa sua crítica e o aparelhamento que seu governo é acusado de fazer nos órgãos estatais. Lula parece estar sempre se equilibrando entre as ações políticas passadas e seu presente no governo, renegando o passado ou valorizando-o à medida de seus interesses políticos presentes.
Reclama que a oposição não aprovou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb), mas não quer discutir por que o PT votou contra o Fundef no governo de Fernando Henrique.
Lembra que já foi vítima de preconceitos e terrorismo eleitoral, mas diz que o que está fazendo com seu adversário Alckmin, que o PT acusa de pretender acabar com o Bolsa Família, ou de pretender demitir funcionários públicos, é apenas uma constatação a partir de sua prática política.
Lula é um mito em constante mutação, que sabe manipular os sentimentos e símbolos que sua biografia permite. Parece estar em estado de alerta total para defender o que já conquistou.
Entrevista:O Estado inteligente
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